Gestão dos processos de trabalho
Os serviços públicos que compõem a Atenção Básica têm incorporado muitas responsabilidades com o passar do tempo. Em uma rápida exemplificação: temos que executar políticas abrangentes, como Política Nacional de Humanização, Política Nacional de Atenção Básica, Política Nacional de Imunização, Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, entre outras. Executamos um amplo processo de mudança no modelo de atenção à saúde por meio da Estratégia Saúde da Família, e, mais recentemente, pelos Núcleos de Apoio à Saúde da Família.
Nas Redes de Assistência à Saúde, além de oferecer um extenso repertório de ações, ficamos com a responsabilidade de coordenar o percurso terapêutico dos usuários nos demais níveis de complexidade. Temos ainda uma lista de ações programáticas e vigilância em saúde, visando o atendimento de grupos específicos na perspectiva de promoção, prevenção e recuperação da saúde desses grupos.
Todas essas responsabilidades trazem consigo uma lista de procedimentos, diretrizes clínicas e assistências, protocolos e sistemas de informações. Individualmente, cada ação proposta possui coerência, objetivos relevantes e exequibilidade. Contudo, a sobreposição de todas essas atribuições produz fragmentação do cuidado, metas difíceis ou impossíveis de serem atingidas simultaneamente, pressionando os profissionais que, na tentativa de alcançar os objetivos esperados, ficam reféns da própria agenda e metas de produção. Passamos por um momento paradoxal na Atenção Primária: para cumprir o pacote de ações idealizado em diferentes instâncias governamentais estamos nos distanciando das necessidades locais do território e da relação dialética na construção do cuidado.
Enquanto não atingimos o equilíbrio entre o desejável e o possível, devemos organizar os processos de trabalho para produzir ações com qualidade, que atendam às recomendações das políticas, estratégias e programas, e que sobretudo, estejam em consonância com as necessidades locais. A esse respeito, Peduzzi e Schraiber (2009, p. 323) definem o conceito de processo de trabalho em saúde como "dimensão microscópica do cotidiano do trabalho em saúde, ou seja, à prática dos trabalhadores/profissionais de saúde inseridos no dia a dia da produção e consumo de serviços de saúde".
Ainda que a discussão seja sobre processo de trabalho, retornamos para a dimensão relacional, sobretudo na Atenção Primária, em que quase tudo que produzimos depende da relação entre profissional e usuário/comunidade.
Quando iniciamos a avaliação de um serviço de saúde, centrado no processo de trabalho, devemos observar acima de tudo os elementos que dizem respeito às relações entre os trabalhadores, e destes com os usuários, à micropolítica da organização dos serviços. (Franco et al., 2011, p. 25) |
A experiência na gestão de UBS mostrou-nos que a organização do processo de trabalho não funciona se for hierarquizado, centralizador e prescritivo. Os profissionais e usuários devem participar da criação dos fluxos internos, das escolhas por ações que precisam ser priorizadas e das estratégias de trabalho. Esse processo, se bem realizado, estará eternamente inacabado, pois envolve, conforme pode ser visualizado na Figura 4, avaliação, planejamento, ação e novamente avaliação.
Por ser uma construção coletiva, ela empodera e motiva a equipe, ao mesmo tempo em que compartilha as responsabilidades e auxilia no processo de formação permanente.
A competência do gerenciamento local de saúde possibilita boas práticas de liderança e agrega valor ao trabalho, aumentando o potencial da equipe. Segundo André e Ciampone (2007), conjuga esforços para utilizar recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos de modo a ampliar a resolutividade do serviço na área de abrangência, em conformidade com o modelo assistencial pautado na epidemiologia social.
Entendendo que a gestão do processo de trabalho é coletiva e que a Atenção Primária terá que desempenhar um grande número de ações preestabelecidas, um bom ponto de partida é tentar racionalizar a equação entre as demandas e capacidade do serviço. É importante tentarmos fugir da fragmentação do processo de trabalho, pois mesmo que cada profissional execute uma etapa da ação, a equipe precisa ter consciência da totalidade do processo. Dessa forma, além de executar aquilo que é próprio da categoria profissional, podemos agir como facilitadores do trabalho dos demais membros da equipe. O saldo esperado é maior sincronismo das ações e assistência de melhor qualidade para os usuários.
Dito isso, reflita sobre sua atuação profissional.
O que acontece com o usuário antes e depois da minha interação com ele?
Eu facilito ou dificulto o trabalho dos outros membros da equipe?
Qual a minha participação nas diferentes ações que acontecem no Serviço?
Qual a ação dos outros membros da equipe nessas mesmas ações?
As atribuições de cada um estão claras para os trabalhadores e usuários do Serviço?
Os fluxos de referências e contrarreferências estão claros para trabalhadores e usuários?
Quais processos de trabalho podem ser simplificados ou reformulados visando melhores resultados?
Apesar de trabalhoso, sugerimos que se construa uma tabela com todas as ações realizadas no serviço com seus respectivos responsáveis ou profissionais habilitados para a execução. A materialização dessas informações pode nos auxiliar a corrigir eventuais distorções, como a sobrecarga de determinados profissionais, uma melhor distribuição das atividades, evitar a duplicação de uma mesma ação, além de utilizar melhor os recursos disponíveis no Serviço. O consolidado dessas informações, mesmo que sejam técnicas, contribuirá para que trabalhadores e usuários entendam melhor o funcionamento do Serviço.