Alguns aspectos políticos da gestão de serviços públicos de saúde

A gestão em saúde é quase tão antiga quanto a Saúde Pública. Surge na tentativa de compatibilizar conhecimentos sobre administração pública com procedimentos sanitários considerados eficazes no controle às epidemias. A saúde pública nasceu interdisciplinar quando esta expressão sequer existia (PAIM; TEIXEIRA, 2006).

Paim e Teixeira (2006) apontam uma multiplicidade de definições que de alguma forma configuram os contornos do que chamamos de gestão em saúde. Em seu estudo de revisão, o subtema gestão contemplou trabalhos científicos referentes à criação e utilização de meios que possibilitem concretizar os princípios de organização da política. Os estudos encontrados tratavam de gestão de serviços e sistemas de saúde, gestão de qualidade, gestão estratégica, gestão de recursos humanos, gestão orçamentária e financeira (PAIM; TEIXEIRA, 2006).

Com o avanço do processo de municipalização do SUS, a gestão dos serviços de saúde pública está cada vez mais em consonância com o plano de governo municipal. Em muitas situações, o Município opta por incorporar programas e estratégias idealizadas no nível federal, havendo incentivos financeiros específicos para áreas prioritárias. Quanto à participação do governo estadual há grandes disparidades em todo país, mas ela é de fundamental importância para ordenar redes de assistência, sobretudo em municípios menores, sem recursos e com pouca capacidade de oferecer assistência integral aos cidadãos. Em suma, a gestão dos serviços de saúde acompanha movimentos macropolíticos de diferentes instâncias, que em maior ou menor grau gera impactos diretos nos diferentes processos de trabalho que realizamos.

Também foi assegurado por lei o controle social no SUS. Os Conselhos de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, são órgãos colegiados, compostos por representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários, que atuam na formulação de estratégias e no controle social da execução da política de saúde nas instâncias correspondentes, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo (BRASIL, Lei 8.142 de1990).

Essa característica deliberativa diferencia os Conselhos de Saúde dos demais conselhos de outros segmentos sociais, bem como de instâncias de participação em saúde de diversos países, com natureza apenas consultiva (JUNIOR; GERSCHMAN, 2013). A existência de formas colegiadas decisórias para a formulação e controle da implementação de políticas de saúde apresenta significado de passagem da forma de democracia representativa para democracia participativa, direta, possibilidade esta prevista nos ditames constitucionais (FORTES, 2006).

Mesmo que regulamentado legalmente, muitos conselhos gestores locais são frágeis ou sequer foram implantados. Carecem de maior participação dos usuários e trabalhadores, que, por sua vez, precisam traçar estratégias para que não sejam manipulados pelo segmento gestor. É um espaço de disputa, mas também de construção coletiva e decisório. Cabe a nós, profissionais de saúde e gestores, o exercício do trabalho participativo, no qual o bem comum se sobressaia em meio aos interesses individuais, de determinado segmento e dos políticos governamentais.

SAIBA MAIS
Para conhecer um pouco mais leia a Unidade de Controle Social escrito pela Prof Ana Bretas disponível em: http://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/pab/5/unidades_conteudos/unidade05/unidade05.pdf




 

Os gestores (federais, estaduais e municipais) do SUS cumprem um papel decisivo na conformação das práticas de saúde por meio das políticas, dos mecanismos de financiamento etc., mas não governam sozinhos. Apesar de haver uma direção - os gestores - a quem formalmente cabe governar, na verdade todos governam - os trabalhadores e os usuários (FEUERWERKER, 2005, p.501).

Com relação à mudança do modelo de assistência proposta pelo SUS, as evidências atuais apontam para uma discreta superioridade da Estratégia Saúde da Família em relação às atividades de unidades tradicionais. Os avanços estão em consonância com o referencial normativo que prevê a territorialização, maior vínculo, envolvimento comunitário e acompanhamento de prioridades programáticas, entre outros. No entanto, o acesso permanece como um grande nó crítico, com dificuldades na estrutura física, na capacitação e dimensionamento das equipes, fragilidades da gestão e na organização da rede de serviços. As evidências apontam ainda que problemas relacionados ao acesso dos usuários comprometem sobremaneira os avanços no plano da integralidade (CONILL, 2008).

Rodrigues (2014) ainda assinala três grandes desafios para a consolidação do SUS:

  • 1) Sua frágil sustentação entre os trabalhadores;

  • 2) A competição com o setor privado; e

  • 3) A fragmentação de sua gestão devido ao processo de municipalização.

Em suma, a gestão envolve escolhas, arbitragens, hierarquização de atos e objetivos, além de envolver valores e leis que orientam a tomada de decisões pelos trabalhadores no cotidiano. Tendo como cenário os serviços públicos de saúde, nosso grande desafio é considerar o conjunto de demandas e necessidade, numa ética que contemple os interesses da coletividade, as necessidades de usuários e dos diversos grupos de trabalhadores da saúde (SCHERER; PIRES; SCHWARTZ, 2009).