A abordagem familiar e comunitária nos induz a ampliar nossa clínica. A diversidade e a complexidade de situações de vida que emergem do território não podem ser compreendidas mediante uma única perspectiva de atuação. Nesse sentido, é feita a revisão das metodologias propostas pela clínica tradicional biomédica. Esta não abrange os aspectos biopsicossociais relevantes à abordagem das famílias que se encontram sob nossa responsabilidade. O contexto e tudo o que se relaciona a ele devem compor e fazer parte do diagnóstico e dos projetos terapêuticos propostos para as famílias. Tais projetos terapêuticos devem considerar as particularidades de cada situação trazida e reconhecida ao abordarmos as famílias: o projeto terapêutico singular.
A consideração de que precisamos enxergar além do que é praxe em nossa clínica nos impulsiona a trabalhar em equipe, uma vez que nossas perspectivas sempre serão parciais e a única forma de migrarmos para uma visão mais aprofundada sobre a realidade é o trabalho em equipe. A clínica ampliada emerge quando cada profissional passa a compartilhar suas perspectivas. A partir daí, abre-se espaço para o novo, para o singular. Na ESF, o ambiente do trabalho em equipe pode ser direcionado a essa função de ampliar a clínica dos envolvidos, buscando a troca de visões e ferramentas de manejo dos casos.
A construção de projetos terapêuticos singulares faz parte das ferramentas para os cuidados colaborativos/matriciamento estudados anteriormente. Como visto, o PTS é composto por 4 momentos (diagnóstico, definição de metas, divisão de responsabilidade e reavaliação), sendo que o diagnóstico pode ser "multiaxial". Essa construção é possível quando as referências e observações sobre as famílias emergem da troca de perspectivas entre os diversos profissionais. A clínica médica, a clínica da enfermagem, a clínica da odontologia e a clínica do agente comunitário se entrecruzam para mostrar a situação biopsicossocial da família. Nesta prática, é importante que haja organização do espaço de fala e escuta da equipe como um todo, que deve trabalhar horizontalmente.
O diagnóstico multiaxial revela quais são as raízes dos problemas enfrentados pela família biopsicossocial. A equipe levanta situações nesses três âmbitos e, a partir dessa ampliação de olhar, começa a dedicar-se à construção do projeto terapêutico singular.
O projeto terapêutico singular (PTS) envolve todos os integrantes da equipe em uma estratégia coordenada de atuação terapêutica. O PTS é uma prática integrada e visa à construção de ações interdisciplinares de cuidado. Cada membro da equipe dispõe de seu saber e suas técnicas para envolver a família num processo ampliado de cuidado. A equipe define um sentido para o tratamento e pactua ações para atingi-lo.
Apresentamos aqui um instrumento prático para a prática da clínica ampliada, que deve ser um facilitador para as discussões em reuniões de equipe e em encontros matriciais com o NASF.
É fundamental considerar que o projeto terapêutico singular é uma forma de trabalho importantíssima para a equipe, tanto por ser um momento de aprendizado mútuo, como também por reduzir o sentimento de estar sozinho diante das dificuldades enfrentadas pelas famílias.
A construção dessa possibilidade frequentemente necessita de apoio institucional no sentido de priorizar o espaço de discussão e valorizar a autonomia dos membros da equipe, acompanhando o desenvolvimento das ações. Precisamos lembrar constantemente a equipe de que suas ações estão coordenadas, e que, portanto, um depende do outro para que se possa dar continuidade a essa prática ao longo do tempo – sem episódios de desmotivação e falta de fé na capacidade de trabalhar em equipe.