Walsh (2005), em seu livro "Fortalecendo a resiliência familiar", discorre sobre vários tipos de situações que podem provocar mudanças no sistema familiar, ampliando sua capacidade de resiliência ou colocando-o em risco. Muito do conteúdo a seguir baseou-se nesse livro.
Os desafios dos eventos estressantes variam segundo as circunstâncias, a frequência e o significado. Eventos inesperados, que ofereçam ameaça à vida e envolvam violência, podem ser especialmente traumáticos. Situações de catástrofe, como os alagamentos e os desmoronamentos que ocorrem no Brasil nos períodos de chuvas, provocam reverberações em várias famílias e comunidades. Algumas conseguirão se reerguer, outras precisarão de auxílio. Situações como essas, de natureza imprevisível e ameaçadora à vida, frequentemente geram complicações pós-traumáticas e requerem o adequado manejo das equipes envolvidas nos processos de ajuda que se seguem às catástrofes.
Desafios persistentes impõem exigências diferentes daquelas relacionadas a crises repentinas. Famílias que enfrentam constantes períodos de estresse, por exemplo, aquelas que convivem com um componente que apresente problemas relativos a abuso ou dependência de substâncias psicoativas, precisam repetidamente ajustar seu funcionamento aos novos desafios pertinentes a esse tipo de situação. Isso, não raramente, gera sobrecarga e desgaste para as relações familiares e requer um conjunto de intervenções que vise à retomada do equilíbrio saudável do grupo familiar.
Algumas famílias convivem com situações de estresse prolongado, como aquelas em que há violência doméstica. Nesses casos, muitas vezes se observa um equilíbrio que podemos chamar de disfuncional ou patológico. Complementaridades baseadas na submissão contraposta à violência podem manter o sistema familiar equilibrado, mas geram um custo muito alto para os relacionamentos e resultam no risco constante de adoecimento. Além disso, criam um padrão de funcionamento problemático e podem provocar consequências para a saúde mental de seus membros por muito tempo. Por outro lado, complementaridades simétricas – cuja resposta à violência gera mais violência – podem levar ao esfacelamento do sistema familiar, conduzindo a situações extremas como a necessidade de abrigamento de crianças, por exemplo.
Situações de violência doméstica costumam ficar subentendidas ou encobertas e requerem grande atenção das equipes aos sinais de sua presença e cuidados especiais em seu manejo. É preciso ter precaução, mas também firmeza para não reproduzir o movimento do sistema evitando o enfrentamento do problema, o que implicaria conivência com situações potencialmente muito danosas.
Perdas representam outro importante foco de estresse para os relacionamentos familiares. Na sociedade ocidental, as pessoas de modo geral não se sentem preparadas para lidar com a morte. No passado, entes da família costumavam morrer em casa, onde também eram velados seus corpos. O parto doméstico também era usual, assim nascimento e morte eram parte do cotidiano das famílias. Com o desenvolvimento tecnológico, começo e fim da vida passaram a ocorrer mais frequentemente em hospitais, distanciando as pessoas dessa vivência e favorecendo mecanismos de negação da morte.
Mortes repentinas ou violentas conduzem a um processo de luto mais difícil para qualquer tipo de família. Situações dessa natureza provocam grande impacto no sistema familiar e diferentes processos para cada pessoa. Raiva, negação e culpa podem ser experimentadas mais intensamente, e a constatação da vulnerabilidade à qual todas as pessoas estão expostas pode paralisar alguns membros ou mesmo toda a família.
Equipes que atuam com famílias enlutadas devem saber acolher todo tipo de reação e identificar pessoas que necessitam de atenção especial para a elaboração do luto.
Outra situação com a qual os profissionais da saúde deparam nas famílias é a ocorrência de doenças crônicas ou incapacitantes. Mais uma vez, o grupo familiar será atingido de diferentes formas, dependendo de quanto suas relações são funcionais e saudáveis. A forma como a equipe de saúde aborda a pessoa doente, considerando-a "em uma condição incapacitadora", e não como "incapacitada", pode auxiliar a família a não reduzir o integrante doente à doença, estimulando suas potencialidades. Apoio especial deve ser oferecido aos cuidadores, pois muitas vezes têm sua vida tão limitada quanto a da pessoa que passa pela doença.
Finalmente abordaremos a questão de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica. No Brasil, muitas famílias convivem com problemas de subsistência. Os indicadores referentes à situação de pobreza e miséria encontrada no país têm apresentado avanços, mas há ainda muito a percorrer.
SAIBA MAIS
Dificuldades econômicas costumam estar associadas a fatores como desemprego, problemas habitacionais e de saneamento, baixa escolaridade, famílias com maior número de crianças ou dependentes (como idosos e doentes), dificuldades de acesso a recursos comunitários, presença de situações de violência. Fatores como esses expõem as famílias à vulnerabilidade social e de saúde física e mental.