Dona Margarida
Sara Turcotte
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Atenção domiciliar

Abordagem familiar sistêmica e apoio aos cuidadores

É comprovada a importância da abordagem familiar do usuário, do(s) cuidador(es) e responsáveis para alcançar êxito na Assistência Domiciliar. No caso de Dona Margarida, o diálogo entre a médica e os familiares é com certeza uma forma muito acolhedora de dirigir a avaliação com base nas informações preliminares que foram repassadas sobre a dinâmica familiar e a personalidade da paciente. A tonalidade que o usuário deu à sua vida marcará a tonalidade da Atenção Domiciliar e a forma com a qual ele será apoiado na fase de dependência da sua vida.

Dona Margarida dava sentido à sua vida através do vínculo com o marido, e, possivelmente, a morte dele influenciou diretamente o seu estado de saúde atual. Saber como ela veio a adoecer depois disso e como ela e as relações familiares se reorganizaram em volta da morte do marido é fundamental para entender as áreas de fraqueza e resiliência dessa família. E também para apoiar o cuidador nas suas ações diante do usuário, assim como os recursos familiares ou outros a se mobilizarem nesse sentido.

O vínculo estabelecido por cada profissional de saúde é fundamental para o êxito das ações de saúde que desenvolvemos, e isso é particularmente importante na Assistência Domiciliar. Como a casa não é o território do profissional, mas do paciente, o segredo para manter uma credibilidade de postura por meio de orientações de saúde contextualizadas nesse âmbito é a relação profissional-pessoa. Esse contato com os usuários em casa falando da vida antes de falar das doenças é um espaço precioso.

As visitas devem ser planejadas e, conforme a urgência da situação de saúde física, deve-se propor uma conversa com os cuidadores ou até uma reunião com as pessoas da família presentes em volta do doente, pedindo para explicar como foi a história de vida de cada um, utilizando às vezes recursos da Terapia Comunitária ou mesmo da própria Abordagem Sistêmica Familiar. Nesse relato, se revelam de forma muito clara e simples os fatores de risco e de resiliência, as potencialidades e dificuldades dos usuários e dos seus cuidadores. Cria-se um vínculo forte, baseado no conhecimento falado e vivido da família, que mobiliza os integrantes a apoiarem o plano terapêutico, cujos elementos e fluxos ficam mais evidentes. Não focar a visita apenas nos problemas de saúde vigentes é uma postura à qual os profissionais e os familiares estão acostumados, mas uma abordagem mais ampla para situações de vulnerabilidade valoriza de fato as intervenções e a mobilização de recursos realizadas por todos os profissionais da equipe.

É sempre importante para o profissional de saúde, seja médico, odontólogo ou enfermeiro, fazer sua própria ideia da história do usuário, da família e dos cuidadores, além de discutir o caso em equipe. É imprescindível, quando se vai estabelecer um plano terapêutico de um usuário, ouvir todos da equipe que já tiveram contato com o paciente e o cuidador e entender a situação como é vivida por todos. Dessa forma, detectam-se as ações que já foram efetuadas e que tiveram sucesso ou não, os conflitos subjacentes ou às vezes até inconscientes que atrapalharam o atendimento, da parte do usuário, dos familiares, dos membros da comunidade ou dos próprios membros da equipe e outros profissionais.

Isso permite também conseguir mais elementos para entender melhor a personalidade da pessoa e dos familiares, que às vezes apresenta um transtorno, quando não um problema de saúde mental até então não identificado. Através dessa abordagem, poder-se-ia beneficiar Dona Margarida e seus familiares e mostrar para os membros da equipe e o ACS que o vínculo que desenvolvemos pode ser mais resolutivo do que consultas em psicologia em ambiente desvinculado do ambiente de cuidados. Algumas intervenções do psicólogo pontuais podem às vezes ser necessárias, mas não são resolutivas se utilizadas no lugar da vinculação.

É possível sair do lugar comum se colocando no lugar do usuário, mas, com nossos próprios paradigmas e olhares, julgamos o usuário ou o cuidador negligente ou incompetente. Com isso, este, que às vezes dedicou todos os seus recursos disponíveis e mobilizáveis para apoiar ou ajudar a situação, acaba criando inconscientemente uma casca protetora em relação aos integrantes da Equipe da Saúde da Família, ou mesmo de qualquer pessoa que propõe alguma forma de modificação na ajuda que ele oferece.

É muito importante entender que, na Atenção Domiciliar, o melhor inimigo do bom é o possível, para copiar a filosofia da redução de danos. É fundamental entender e aceitar os recursos intelectuais, espirituais e físicos, externos e internos disponíveis. Só assim eles podem ser efetivamente mobilizados. É primordial utilizar a maior riqueza de informações possível para determinar a forma inicial de abordagem do caso, da família ou do usuário, assim como o fluxo e o ritmo, pois às vezes uma abordagem inicial mal planejada pode levar todo o plano terapêutico a falhar.

É imprescindível dar importância tanto à saúde integral do cuidador quanto à saúde do usuário índice. Às vezes, é necessário planejar visitas domiciliares destinadas quase exclusivamente ao cuidador antes mesmo de poder cogitar solicitar qualquer modificação nos cuidados que vêm sendo desenvolvidos. É um automatismo considerar que o atendimento ao cuidador deve ser exclusivamente feito no consultório, mas às vezes contribuímos com essa atitude, dificultando o cuidado do próprio usuário, pois a disponibilidade interna e externa do cuidador não se efetiva no consultório, o que leva às vezes a orientações também ineficazes na realidade dele.

Nesse sentido, devemos dobrar a vigilância em relação a usuários aparentemente estáveis, aqueles que são basicamente bem cuidados, nos quais não enxergamos necessidades mais urgentes ou evidentes. Ao aprofundar esses casos, podemos perceber que a falta de cuidado com o cuidador não permite a melhor qualidade de vida possível ao usuário.

Outra vantagem dessa abordagem é que, atuando dessa forma, as equipes vão ficando mais seguras e realistas quanto aos objetivos alvejados pelos planos de Atenção Domiciliar, conseguindo entender melhor os resultados alcançados e passar a valorizá-los, por menores que sejam. Dessa forma, também perdem o medo e a desconsideração em relação à visita domiciliar e passam a valorizá-la e a utilizá-la cada vez mais e melhor.

Especialização em Saúde da Família
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