O caso Sandra e Sofia, assim como tantos outros estudados neste curso, traz um forte componente de sofrimento emocional. A alteração de Sandra coincide com o período puerperal e nos remete aos quadros de saúde mental comuns nesse período. No entanto, é muito frequente que os pacientes que utilizam a Atenção Primária tenham alterações psíquicas. Fortes, Villano e Lopes (2008) demonstraram que 56% dos pacientes da Estratégia Saúde da Família (ESF) têm transtornos mentais comuns.
Mediante essa realidade, os profissionais da Saúde da Família se sentem muitas vezes pouco habilitados para o manejo de tais situações, sem saber, no entanto, que são peças fundamentais para o apoio e que exercem, desde o momento em que cumprimentam o(a) paciente na sala de espera, um componente terapêutico. No caso de Sandra, teremos a oportunidade de aprofundar um pouco mais os conhecimentos sobre a abordagem da saúde mental na Atenção Primária, exercitando a prática da integralidade e exemplificando alguns tópicos apresentados na unidade sobre vínculo e acolhimento deste curso.
Voltemos ao caso:
Sandra é uma mulher de 43 anos, que há quatro meses teve um parto de uma menina (Sofia). Não há informações em relação às condições do parto ou do período da gravidez, nem do nascimento de Sofia, sugerindo que não houve intercorrências significativas nesse período. Ela enfrenta dificuldades no relacionamento com sua mãe e com seu marido, assim como no manejo das situações relacionadas a alguns problemas na saúde de suas filhas. Provavelmente essas dificuldades são exacerbadas pelas suas condições psíquicas no momento da primeira consulta. Sandra vem apresentando alteração do sono, impaciência, desmotivação, maior facilidade para chorar, fadiga e "dores no corpo", tontura, diminuição do apetite, descuido com sua aparência, ideação de desvalia, humor irritável e ansioso, se direcionando para o polo depressivo.
Não há relato do tempo decorrido entre o início dos sintomas e a primeira consulta. Por outro lado, esses sintomas não desencadearam um prejuízo significativo no seu desempenho habitual, embora com maior dificuldade Sandra mantém suas atividades domiciliares, sem receber ajuda para as tarefas, incluindo os cuidados necessários com suas filhas. Não há dados sobre episódios depressivos anteriores, condições clínicas relevantes ou utilização anterior de medicamentos, nem história familiar de transtornos mentais. A história não evidencia comportamentos disfuncionais ao longo da vida que indiquem transtornos mentais anteriores (incluindo transtornos de personalidade).
Sandra trabalhou como Agente de Saúde por quatro anos e conseguiu um trabalho com melhor remuneração em uma lavanderia industrial, atividade profissional que foi interrompida durante a gravidez "porque se sentia tonta". Não há relato sobre a investigação desse sintoma e a possível relação com suas condições psíquicas; de qualquer forma, os dados sugerem que ela exercia suas funções sociais e familiares de forma ajustada.