Sandra e Sofia
Julie Silvia Martins
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Saúde Bucal na infância

O caso da família de Sandra traz aspectos importantes relativos à Saúde Bucal das crianças de zero a cinco anos de idade a serem discutidos com os profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde, particularmente aqueles que atuam na Estratégia Saúde da Família, pois a dinâmica de trabalho oferece diversas possibilidades de atuação – desde trabalhos educativos e preventivos a diagnóstico e intervenção precoce –, podendo, sem dúvida, trazer benefícios à saúde bucal das crianças desse grupo etário.

Em relação à preocupação de Sandra com a suposta língua presa de Sofia, cabe esclarecer que a língua presa (anquiloglossia) é uma anormalidade do desenvolvimento do freio lingual que pode gerar limitações nos movimentos da língua, podendo resultar em problemas de fala, deglutição e amamentação e inclusive influenciar a posição dos dentes nos arcos dentários (MELO et al., 2011).

De acordo com Sanches (2011), as disfunções orais podem ser identificadas de forma precoce por meio de anamnese dirigida, avaliação oral do bebê e observação cuidadosa da mamada.

Em casos de anquiloglossia, a indicação para frenectomia é controversa e está intimamente relacionada à resposta funcional da língua para executar os movimentos de ordenha durante a mamada (BRITO et al., 2008; MELO et al., 2011; SANCHES, 2011).

A frenectomia nos bebês normalmente está indicada quando o freio lingual dificulta a movimentação da língua ou a amamentação (BRITO et al., 2008). A frenectomia, quando realizada após criteriosa avaliação da função da língua, mostrou-se um facilitador para a amamentação tanto em relação à transferência do leite quanto a problemas do mamilo e patologias da mama (SANCHES, 2011).

O caso informa que o dentista Júlio tranquilizou Sandra em relação à língua presa (anquiloglossia), mas não apresentou mais detalhes sobre a questão. É importante ressaltar que teria sido interessante realizar uma avaliação funcional da língua em relação à anquiloglossia no primeiro mês de vida de Sofia, pois tal diagnóstico, caso tivesse sido positivo, poderia provocar interferências importantes para a amamentação, aumentando as chances de um desmame precoce. Embora a prevalência de anquiloglossia seja baixa (1,5%), de acordo com Melo et.al. (2011), é importante que os profissionais da Atenção Primária estejam atentos a essa questão, pois a anquiloglossia que produz importantes limitações nos movimentos da língua traz consequências danosas para a amamentação, favorecendo o desmame precoce.

Em relação à condição dos dentes, o caso refere que Amanda apresenta alto índice de placa, atividade de cárie, lesões de cárie agudas, inclusive dor de dente. Embora não seja relatado se é uma dor espontânea ou provocada, a condição de saúde bucal de Amanda é bastante precária, exigindo cuidados imediatos da equipe de Saúde Bucal. O documento da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SÃO PAULO, 2005) apresenta de uma forma pormenorizada as condutas a serem tomadas no tratamento de urgência em dentes decíduos, servindo como material de apoio para os profissionais da Atenção Primária no manejo desses casos.

O quadro de saúde bucal de Amanda é desalentador e totalmente passível de ter sido prevenido se medidas educativas e preventivas tivessem sido tomadas anteriormente. Diante dessa situação, os procedimentos realizados pela equipe apontados no caso, como Tratamento Restaurador Atraumático (TRA), fluorterapia e medidas educativas relativas à higiene e à dieta, estão adequados, de acordo com São Paulo (2007).

    Para aqueles que tenham interesse em aprofundar os conhecimentos sobre o Tratamento Restaurador Atraumático, encontra-se disponível na internet a cartilha produzida pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo referente ao assunto (SÃO PAULO, 2009).

Para a prevenção dos agravos à saúde bucal em crianças, as medidas educativas já devem ser iniciadas durante a gestação, orientando as futuras mamães sobre: a importância do aleitamento materno para o desenvolvimento harmônico das arcadas dentárias; evitar a introdução de bicos e mamadeiras, que favorecem o desmame precoce e a má-oclusão; procurar postergar ao máximo a introdução do açúcar na alimentação infantil. É importante discutir esses aspectos durante a gestação para que a futura mãe não seja pega de surpresa em relação a tais questões e possa tomar uma decisão consciente após o nascimento do bebê.

As gestantes também devem ser alertadas sobre a questão da transmissibilidade. Kramer, Feldens e Romno (2000), discutindo a questão da transmissibilidade dos microrganismos cariogênicos, evidenciam que programas preventivos básicos devem buscar o controle da infecção, integrando a saúde bucal materna, infantil e familiar, procurando interromper ou dificultar a transmissão do agente. Porém salientam que "a simples detecção do nível desses microrganismos na saliva das mães para previsão futura do desenvolvimento de cárie nos seus filhos é questionável" (KRAMER; FELDENS; ROMNO, 2000, p. 43), justificando que a transmissão de hábitos e costumes parece ser mais importante que a simples transmissão de microrganismos cariogênicos: "O que é transferido de uma geração para outra são costumes, estilo de vida e atitudes em relação à saúde ou doença" (KRAMER; FELDENS; ROMNO, 2000, p. 15).

A atenção à saúde bucal da criança também deve ter continuidade após o nascimento, de preferência em grupos operativos que envolvam os pais ou responsáveis e tratem de aspectos relativos à Saúde Bucal desse grupo etário, englobando: discussões sobre a importância da dentição decídua; questões relativas à higienização dos dentes – quando iniciar, como realizar, quais seriam os estímulos positivos para a instituição deste hábito; os cuidados com o uso de cremes dentais fluoretados; a questão da contaminação da criança por bactérias cariogênicas; questões relativas à dieta, orientando sobre os riscos das mamadas noturnas; a introdução de alimentos que estimulem a mastigação, oferecendo gradativamente alimentos mais rígidos após os 6 meses de vida, favorecendo dessa maneira o desenvolvimento das estruturas oro-faciais, lembrando que é importante a criança adquirir o hábito de comer devagar, mastigando bem os alimentos; procurar postergar a introdução do açúcar; o uso racional do açúcar; retomar a discussão sobre o uso de mamadeiras e chupetas, apontando os prejuízos para a saúde bucal dos bebês, orientando os responsáveis sobre como remover esse hábito de uma maneira não agressiva, no caso de o hábito já ter sido instituído; discutir a questão da respiração bucal apresentando os prejuízos que esta promove, procurando estimular que os responsáveis sempre fiquem atentos a essa questão para que tal hábito seja prontamente identificado e medidas sejam tomadas no sentido de procurar resolver a questão, evitando possíveis consequências ao longo do tempo; alertar os pais sobre o açúcar presente em muitos medicamentos e quais os cuidados necessários para evitar os efeitos danosos sobre os dentes; reforçar a importância de não utilizar medicamentos sem a prescrição médica, sempre procurando empoderar os responsáveis sobre os cuidados necessários à saúde bucal para esse grupo etário, encorajando-os a acreditar que crescer sem cárie pode estar ao alcance de todos e os responsáveis têm um papel fundamental para alcançar tais objetivos, desde que devidamente orientados.

Em decorrência da falta de informação, em muitas famílias ainda persiste a ideia de que ter cárie é "normal", cabendo aos profissionais da Atenção Primária desmistificá-la e empoderar a comunidade para evitar que continuem ocorrendo situações como a de Amanda, que muitas vezes vem acompanhada de dor e desconforto, focos de infecção, prejuízos na mastigação, influenciando a alimentação e favorecendo o desenvolvimento de problemas ortodônticos, o que pode trazer prejuízos estéticos e de fonética e, consequentemente, repercutir em problemas psicológicos para a criança. Também é importante lembrar que os problemas na dentição decídua podem trazer consequências negativas para a dentição permanente. Além de todos esses prejuízos, uma questão muito frequente a ser considerada nesse grupo etário é a dificuldade de aceitação do tratamento odontológico pela criança, o que acaba complicando ainda mais a situação.

Em decorrência de todos esses aspectos apontados relacionados à saúde bucal das crianças, é imprescindível que a equipe desenvolva atividades educativas dirigidas aos responsáveis por crianças de zero a cinco anos, utilizando-se dos recursos disponíveis na Estratégia Saúde da Família, como o cadastro, para garantir o acesso dos pais ou responsáveis de todas as crianças menores de cinco anos a essas informações. Uma vez capacitados, os Auxiliares em Saúde Bucal (ASB) e os Técnicos em Saúde Bucal (TSB) podem desenvolver as atividades educativas, cabendo ao cirurgião-dentista avaliar a condição de saúde bucal da criança e realizar os procedimentos clínicos necessários.

O documento "Nascendo e crescendo com saúde bucal" (SÃO PAULO, 2007), disponível na internet, trata de uma forma pormenorizada dos diferentes aspectos relacionados à saúde bucal da gestante e do bebê que podem ser trabalhados na Atenção Primária à Saúde.

Especialização em Saúde da Família
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