Gestão da Prática Clínica
Considerando que o Médico de Família e Comunidade é um recurso de uma população definida e deve ter sua prática influenciada pela comunidade (princípios 2 e 3), ele deve ter também habilidade de organizar seu trabalho para lidar com as demandas populacionais.
O Médico de Família vê sua população habitual como uma “população de risco” e organiza sua prática para assegurar que a saúde dos pacientes seja mantida, quer eles venham ou não visitá-lo no consultório, através de ações comunitárias. O Médico de Família pode planejar e avaliar suas ações conhecendo o perfil epidemiológico da área adscrita, por meio de informações extraídas do consolidado do SIAB e E-SUS, de outros sistemas de informação, ou mesmo levantando o perfil de uso dos serviços da UBS, estudando as principais causas de demanda espontânea e avaliando quantas consultas/ano cada usuário tem feito e o perfil de cobertura de exames preventivos. Com essas informações em mãos, pode-se organizar uma agenda que atenda às necessidades da comunidade, estruturar grupos educativos direcionados para as pessoas em maior risco, além de planejar as ações comunitárias.
O Médico de Família é o responsável sanitário pela área de abrangência junto ao Conselho Regional de Medicina, sendo, portanto, fundamental o conhecimento do território e dos potenciais riscos a que essa população está submetida. Em uma área endêmica de parasitoses intestinais, por exemplo, é importante estar preparado para lidar com o problema, levando em conta ações não só para o indivíduo, mas também para a comunidade.
Tal organização requer uma habilidade de avaliar novas informações trazidas na reunião de equipe, sua relevância para a prática clínica e a capacidade de criar estratégias comunitárias para a resolução dessas questões. O trabalho em equipe é outra característica particular da prática da medicina de família e comunidade que, infelizmente, não é abordada durante a formação médica convencional. Fazer parte de uma equipe facilita e enriquece o trabalho. Cada profissional tem um campo de conhecimentos que se intercalam, levando uma assistência mais completa ao paciente. Advém daí a importância da participação ativa do Médico de Família e Comunidade nas reuniões de equipe, bem como seu envolvimento no planejamento das atividades coletivas.
Partindo das informações de sua área e equipe, o Médico de Família deve criar uma agenda que contemple as principais necessidades dessa região, respeitando a entrada dos usuários no sistema.
Em muitos municípios, a agenda do médico é previamente determinada, geralmente por grupos prioritários (HAS, DM, Crianças e Gestantes), além de contemplar pouco tempo para demanda espontânea. Dessa forma, restringe-se muito o acesso da população, infringindo alguns princípios básicos da APS (primeiro contato e integralidade do cuidado). O médico, juntamente com a equipe, deve ter autonomia de pensar a melhor forma de trabalho para que sejam dadas repostas às necessidades da comunidade.
Já há modelos alternativos de organização de agenda, em que se evita o agendamento estratificado por condições pré-selecionadas. Bom exemplo é a organização por “Acesso Avançado”, em que grande percentual das consultas do médico (até 90%) não são agendadas previamente. A pessoa com necessidade de saúde, aguda ou crônica, vai até a unidade e é atendida no mesmo dia. Esse tipo de agenda e atendimento difere dos modelos de pronto-atendimento de UPAS e similares por pautar-se em um atendimento centrado na pessoa e com base numa população definida, da qual a equipe já conhece o perfil de risco e informações familiares e individuais apoiadas na longitudinalidade. Para sua implantação é necessário sólido trabalho em equipe, orientação comunitária e apoio da gestão local. Experiências bem-sucedidas em vários países e cidades do Brasil mostram que esse modelo garante a satisfação do usuário e dos profissionais de saúde.
A organização da assistência às pessoas que chegam por demanda espontânea é um dos maiores desafios na rotina de uma UBS e por isso modelos de atenção que a contemplem devem ser considerados pelas equipes, sendo o Acesso Avançado uma alternativa viável e qualificada. Para saber mais veja o material complementar desta unidade, em especial a Cartilha de Organização de Acesso da Prefeitura Municipal de Curitiba.
Além disso, o Médico de Família e a equipe de saúde se veem como parte da rede de prestadores do serviço público à saúde e devem ter habilidade para planejar e implementar políticas públicas que vão melhorar a saúde dos pacientes e das comunidades. Dessa forma, podem conhecer, criar e aplicar instrumentos para a avaliação da eficácia do cuidado prestado à clientela.
Igualmente, devem usar a referência para outros especialistas e os recursos da comunidade e dos sistemas de saúde criteriosamente. Cada exame solicitado deve ter uma indicação, pois os recursos na Atenção Primária são escassos e os encaminhamentos e exames solicitados sem necessidade adiam uma atenção ao usuário que realmente precisa, além do fato de que exames e/ou encaminhamentos desnecessários podem gerar dano para as pessoas. Exames solicitados apenas por “ser de rotina” são um exemplo comum da não prática da prevenção quaternária e da falta de responsabilidade com os recursos públicos, considerando as necessidades individuais e coletivas.
Para que seja possível indicar corretamente exames e tratamentos é importante que o Médico de Família reserve um tempo para a atualização médica, levando em conta as melhores evidências médicas disponíveis. Essa atualização pode ocorrer a distância, por meio de leitura de artigos científicos ou até mesmo da criação de reuniões clínicas entre os técnicos na UBS.