PROTOCOLOS PARA O CUIDADO DA SAÚDE DAS MULHERES



Sangramento Uterino Anormal

  Fluxograma

 

 

Padrões de sangramento e manejo das diferentes causas de sangramanto uterino

Quadro 1 - Sangramento uterino aumentado: * ciclos regulares, porém prolongados ou intensos. Podem estar presentes sintomas relacionados à menstruação

CAUSA COMO IDENTIFICAR/AVALIAR O QUE FAZER
Funcional (causa endometrial,anteriormente denominado sangramento uterino disfuncional) Decorre de alterações na hemostasia endometrial,não estando associado à lesão orgânica. Podem também estar presentes miomas ou outras alterações anatômicas como achado casual, sem estes serem a causa do sangramento. Por esse motivo, geralmente se trata clinicamente o sangramento uterino aumentado como sendo de causa funcional antes de proceder à investigação de lesões orgânicas. Manejo clínico, conforme Quadro 5.
Miomatose uterina**
  • Os miomas que estão associados a sangramento uterino geralmente são submucosos.
  • Suspeitado pelo padrão de sangramento e pelo volume uterino aumentado na palpação.
  • Diagnóstico pela ultrassonografia.
  • Inicialmente manejo clínico para sangramento funcional (ver Quadro 5).
  • Tratar anemia, se houver.
  • Se refratário, encaminhar para avaliação ginecológica quanto à indicação de cirurgia.
  • Para a decisão sobre tratamento cirúrgico, considerar tempo esperado até a menopausa, quando os sintomas regridem.
Adenomiose**
  • Frequentemente se acompanha de dismenorreia ou dor pélvica crônica.
  • Suspeitado pelo padrão de sangramento e pelo volume uterino aumentado na palpação.
  • Diagnóstico suspeitado pela ultrassonografia,porém apenas confirmado no anatomopatológico.
  • Inicialmente manejo clínico (ver Quadro 5).
  • Tratar anemia, se houver.
  • Se refratário, encaminhar para avaliação ginecológica quanto à indicação de cirurgia.
  • Para a decisão sobre tratamento cirúrgico, considerar tempo esperado até a menopausa, quando os sintomas regridem.
DIU de cobre
  • Mais intenso nos primeiros três meses após a inserção, acompanhado de dismenorreia.
  • Orientar.
  • Se necessário, associar AINE nos primeiros meses durante o sangramento menstrual.
  • Se persistente, considerar remover o DIU.
Coagulopatias
  • Suspeitar em mulheres com sangramento uterino aumentado desde a adolescência, com história familiar de coagulopatias ou com história de hemorragia pós-parto ou sangramentos frequentes (epistaxe, equimoses, sangramento gengival etc.).
  • Testes iniciais: hemograma, plaquetas, TP e TTPa.

Se exames alterados, encaminhar ao hematologista para investigação adicional.

  • Notas:

  • *Outras causas possíveis, mas que geralmente se manifestam como sangramento intermenstrual, são: pólipos endometriais, hiperplasia ou carcinoma de endométrio, endometrite e doença inflamatória pélvica.

  • **Se boa resposta ao tratamento farmacológico, não há relevância clínica em diferenciar entre miomatose e adenomiose.


Quadro 2 – Sangramento uterino irregular:* ciclos irregulares, geralmente sem sintomas relacionados à menstruação, volume do sangramento variável

CAUSA COMO IDENTIFICAR/AVALIAR O QUE FAZER
Primeiros anos após menarca Padrão menstrual muito frequente em adolescentes nos primeiros anos após a menarca, frequentemente acompanhado de dismenorreia. Muitas vezes, apenas orientar já é suficiente. Se dismenorreia muito intensa, considerar associar AINE durante a menstruação. Oferecer contraceptivo oral combinado, respeitando os critérios de elegibilidade, para regularização da menstruação, especialmente se a adolescente já tiver iniciado vida sexual ativa. Se não houver vida sexual ativa, considerar oferecer contraceptivo oral combinado por 3-6 meses para regularização dos ciclos. Ver capítulo 3, sobre Planejamento Reprodutivo.
Climatério Padrão menstrual dos anos que antecedem a menopausa. Avaliar probabilidade de climatério. Ver protocolo de Climatério. Orientar. Atentar para o manejo clínico de outros sintomas relacionados ao climatério. Ver Protocolo de Climatério. Se sangramento aumentado,considerar iniciar contraceptivo oral na prémenopausa, respeitando os critérios de elegibilidade. Ver capítulo 3, sobre Planejamento Reprodutivo.
Síndrome dos ovários policísticos (SOP) Suspeitar na presença de ciclos menstruais irregulares, associados ou não a sobrepeso/obesidade, com sinais de hiperandrogenismo (acne, hirsutismo, alopecia androgenética). No ultrassom transvaginal, podemse identificar microcistos no ovário.Orientar atividade física regular e reeducação alimentar, estimulando a perda de peso. Mesmo não havendo perda de peso, pode já haver benefícios. Se plano de engravidar, ver capítulo 3, sobre Planejamento Reprodutivo. Se não houver plano de engravidar, considerar iniciar contraceptivo oral combinado. Identificar outras manifestações da SOP que estejam incomodando a paciente (p. ex., acne, alopecia androgenética) e oferecer acompanhamento destas.
Hipotireoidismo Pesquisar outros sintomas de hipotireoidismo. TSH aumentado e T4 livre diminuído. Considerar também hipotireoidismo subclínico se houver sintomas de hipotireoidismo e TSH aumentado, porém o T4 livre for normal. Reposição de levotiroxina.
Hiperprolactinemia Suspeitar se história de amenorreia ou de ciclos menstruais irregulares. Associado ou não à galactorreia. Considerar aumentada, se > 40 ng/mL. Considerar fármacos que podem aumentar a prolactina (p. ex., fenotiazínicos, antidepressivos, metoclopramida). Ver fluxograma de descarga papilar. Se confirmada hiperprolactinemia e afastadas causas iatrogênicas, encaminhar para endocrinologista ou ginecologista.
  • Nota: * Se não se encaixar de forma evidente em um desses diagnósticos, considerar também as causas de sangramento intermenstrual.


Quadro 3 – Sangramento uterino intermenstrual: sangramento uterino não associado à menstruação – Padrões mais frequentes são escape e sangramento pós-coito

CAUSA COMO IDENTIFICAR/AVALIAR O QUE FAZER
Associado a anticoncepcional oral combinado Sangramento no padrão escape (spotting), caracterizado por pequenos sangramentos sem relação com o ciclo menstrual. É mais frequente nos primeiros três meses de uso e quando utilizados anticoncepcionais orais com doses mais baixas de estrogênio. Ver capítulo 3, sobre Planejamento Reprodutivo. Se ocorrer após uso prolongado do anticoncepcional, avaliar adesão e considerar outras possíveis causas de sangramento de escape.
Associado à medroxiprogesterona de depósito No início do uso do acetato de medroxiprogesterona de depósito, pode haver sangramento volumoso devido ao afinamento do endométrio. Além disso, frequentemente há sangramento de escape, especialmente nos primeiros anos de uso. Orientar. Atentar para o manejo clínico de outros sintomas relacionados ao climatério. Ver Protocolo de Climatério. Se sangramento aumentado,considerar iniciar contraceptivo oral na prémenopausa, respeitando os critérios de elegibilidade. Ver capítulo 3, sobre Planejamento Reprodutivo.
Patologias cervicais e ectopia Geralmente, o padrão de sangramento é póscoito. O câncer de colo uterino, em alguns casos, também pode se manifestar como sangramento de escape. A inspeção do colo uterino a olho nu durante o exame especular geralmente é suficiente para identificar patologias cervicais que resultam em sangramento. Se identificada cervicite, manejar conforme Fluxograma 7 – Corrimento vaginal e cervicites. Se identificada ectopia, orientar que se trata de causa fisiológica. Se identificado pólipo ou alteração sugestiva de câncer de colo uterino, encaminhar para ginecologista.
Patologias do endométrio (pólipo, hiperplasia, câncer) Geralmente, o padrão de sangramento é spotting, mas pode se manifestar como sangramento pós-coito. O diagnóstico, muitas vezes, é feito pela ultrassonografia, mas, geralmente, a mulher deve ser encaminhada para histeroscopia diagnóstica. Encaminhar para histeroscopia.
Doença inflamatória pélvica Geralmente, mas nem sempre, está associada à dor pélvica, febre e/ou sangramento pós-coito, intermenstrual ou do padrão de sangramento uterino aumentado ovulatório. Ao exame, o colo uterino frequentemente está friável, com secreção sugestiva de cervicite e dor à mobilização do colo. Ver protocolo de Dor Pélvica.
  • Nota: * Se não se encaixar de forma evidente em um desses diagnósticos, considerar também as causas de sangramento intermenstrual.


Quadro 4 – Manejo clínico do sangramento uterino agudo intenso*

AGENTE POSOLOGIA CONTRAINDICAÇÕES
Estradiol ou estrogênio conjugado
  • Estradiol, 1 mg, 4 a 8 comprimidos por dia,podendo ser tomados em dosagem única diária ou fracionados.
  • Estrogênio conjugado 0,625 mg, 4 a 8 cápsulas por dia, podendo tomar em dosagem única diária ou fracionados.
Doença ativa ou histórico de doença tromboembólica arterial ou tromboembolismo venoso, disfunção ou doença hepática ativa ou crônica, distúrbios trombofílicos conhecidos.
Anticoncepcional oral combinado (30 a 50 ug de etinilestradiol)
  • 1 comprimido, de 6/6 horas, até cessar o sangramento. A partir de então, 1 por dia.
História de trombose arterial ou venosa,migrânea com aura, diabetes mellitus com alterações vasculares, doença hepática grave.
AINE
  • 600 mg de ibuprofeno ou 50 mg de diclofenaco, de 8/8 horas, por 4 dias, a partir do primeiro dia da menstruação
História de úlcera péptica ativa, uso concomitante de anticoagulantes, distúrbios da coagulação, doença renal.
Ácido tranexâmico
  • 500 mg, de 8/8 horas, até cessar o sangramento. Máximo de 7 dias.
Coagulação intravascular ativa, vasculopatia oclusiva aguda e em pacientes com hipersensibilidade aos componentes da fórmula.
  • Nota: * Embora não estudado adequadamente, podem-se associar diferentes opções farmacológicas para o controle do sangramento uterino.


Quadro 5 – Manejo clínico do sangramento uterino aumentado crônico de padrão ovulatório*

AGENTE POSOLOGIA REDUÇÃO ESPERADA NO SANGRAMENTO CONTRAINDICAÇÕES
Anti-inflamatório não esteroide (p. ex., ibuprofeno ou diclofenaco)
  • 600 mg de ibuprofeno ou 50 mg de diclofenaco, de 8/8 horas, por 4 dias, a partir do primeiro dia da menstruação.
49% História de úlcera péptica ativa, uso concomitante de anticoagulantes, distúrbios da coagulação, doença renal.
Ácido tranexâmico
  • 250 mg a 1 g, de 6/6 a 12/12 horas, por 4 dias, a partir do primeiro dia da menstruação.
58% Coagulação intravascular ativa,vasculopatia oclusiva aguda e em pacientes com hipersensibilidade aos componentes da fórmula.
Anticoncepcional oral combinado (30 a 50 ug de etinilestradiol)
  • 1 cápsula ao dia, por 21 dias
43% História de trombose arterial ou venosa,migrânea com aura, diabetes mellitus com alterações vasculares, doença hepática grave.
Acetato de medroxiprogesterona oral
  • 10 mg/dia do 5º ao 26 dia
83% Presença ou histórico de tromboflebite,distúrbios tromboembólicos e cerebrovasculares. Insuficiência hepática grave. Presença ou suspeita de neoplasia mamária ou de órgãos genitais.
Acetato de medroxiprogesterona injetável de depósito
  • 150 mg a cada três meses
Amenorreia Idem ao anterior.
DIU com liberação de levonorgestrel
  • Intrauterino
95% -
  • Nota: * Embora não estudado adequadamente, podem-se associar diferentes opções farmacológicas para o controle do sangramento uterino.

Referências

  1. JAMES, A. H. et al. Evaluation and management of acute menorrhagia in women with and without underlying bleeding disorders: consensus from an international expert panel. EJOG, v. 158, n. 2, p. 124-134, 2011.

  2. PESSINI, S. A. Sangramento uterino anormal. In: DUNCAN, B. B. et al. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.

  3. AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Diagnosis of abnormal uterine bleeding in reproductive-aged women. Obstet Gynecol, v. 120, n. 1, p. 197-206, 2012. (Practice Bulletin, n. 128)

  4. BIRNBAUM, S. L. Approach to the woman with abnormal vaginal bleeding. In: GOROLL, A. H.; MULLEY JR, A. G. Primary care medicine: office evaluation and management of the adult patient. 7th edition. Hanover: Lippincott Williams & Wilkins, 2014.

  5. MAZZA, D. Women’ health in general practice. 2nd edition. Chastwood: Elsevier, 2011.

  6. RYDEN, J.; BLUMENTHAL, P. D. Practical gynecology: a guide for the primary care physician. 2 nd edition. American College of Physicians, 2009. (ACP Women’s health series)

  7. SHARMA, A. Gynecology in primary care: a practical guide. London: Radcliffe Medical Publishing, 2013.

  8. KAUNITZ, A. M. Approach to abnormal uterine bleeding in nonpregnant reproductive-age women. Waltham: UpToDate, 15 Aug. 2014. Disponível em: http://goo.gl/3fyekV. Acesso em: 9 mar. 2015.

  9. KAUNITZ, A. M. Differential diagnosis of genital tract bleeding in women. Waltham: UpToDate, 15 Aug. 2014. Disponível em: http://goo.gl/sjOlRg. Acesso em: 9 mar. 2015.