Dona Margarida
Sônia Maria Garcia Vigêta e Daniel Almeida Gonçalves
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Saúde do idoso e demência

O caso traz temas relevantes e comuns na Atenção Primária à Saúde (APS), pois enfoca um problema de alta incidência na população idosa: os quadros de demência. Trata-se de um adoecer crônico da memória recente ou de curto prazo de Dona Margarida, que a levará a perdas funcionais importantes, estabelecendo uma necessidade de que as pessoas no seu entorno deem um suporte social para sua sobrevivência.

Encontramos um serviço de saúde no Brasil não preparado para assistir o envelhecimento populacional, o qual se depara com uma desigualdade social e necessita de readequações familiares e comunitárias para assistir com dignidade a pessoa idosa.

A Atenção à Saúde do idoso também requer habilidades específicas dos profissionais de saúde. Algumas delas vimos neste caso, quando a enfermeira Ana Lígia realiza uma avaliação funcional do idoso no domicílio associada a miniexame do estado mental, para avaliação de alterações cognitivas relacionadas com a demência. Além do quadro funcional, outros aspectos são relevantes e devem ser de conhecimento do especialista em Saúde da Família, a saber:

- Prática física regular: a orientação de forma segura é muito importante, ainda que ponderada pela capacidade funcional do idoso. Deve estar diretamente relacionada a atividades diárias, como sentar-se e levantar-se e subir escada, por exemplo. A participação em grupos baseados em práticas integrativas, como o Tai Chi Chuan ou outras, está associada à melhora de condições físicas, incluindo melhora em padrão respiratório, alongamento muscular e redução no risco de quedas.

- Nutrição: muitos aspectos afetam uma boa nutrição do idoso. A saúde bucal, muitas vezes deixada a segundo plano, é um importante elemento e deve ter prioridade, como vimos neste caso. Há um déficit importante de vitamina D, o que hoje em dia já está relacionado com outras morbidades além da estrutura óssea. A ingesta de fibras também está abaixo do recomendado, o que está associado a uma morbidade muito comum nesta fase da vida: a constipação intestinal. Uma avaliação cuidadosa quanto à ingestão adequada de carboidratos, proteínas e vegetais deve fazer parte da avaliação global do idoso, em especial quando este for portador de doença crônica e má saúde bucal. Em quadros com algum declínio cognitivo ou outros sintomas neurológicos ou crônicos persistentes, checagem de vitamina B12 deve ser realizada.

- Fragilidade: considerada uma condição ou síndrome que resulta de redução multissistêmica da reserva fisiológica funcional e consequente queda dos limites para reação a situações de estresse físico e psíquico. Há um risco aumentado para adoecimento e morte. No caso, um simples quadro de infecção urinária provocou quadros alucinatórios (delirium), por exemplo. O grau de fragilidade está diretamente relacionado com a necessidade de cuidados domiciliares pela equipe. Escalas de avaliação funcional auxiliam no diagnóstico dessa condição. A APS é um nível de atenção fundamental para o manejo dessas situações, seja apoiando o idoso ou sua família e cuidadores.

- Polifarmácia e intervenções precoces: a revisão anual de todos os medicamentos em uso é recomendada. Aqui, o exercício da coordenação do cuidado, princípio da Atenção Primária, faz-se fundamental. Idosos têm múltiplos médicos, especialistas focais, que orientam medicações sem considerar as demais que o idoso já usa. As capacidades metabólica, renal e hepática estão alteradas, modificando o perfil de concentração plasmática e a interação farmacológica. Os profissionais de saúde também devem estar atentos a intervenções precoces a mínimos problemas, como dor em extremidades, podendo diminuir a morbidade e melhorar a qualidade de vida.

- Isolamento social: a equipe deve estar atenta a quadros de idosos solitários, procurando envolvê-los em atividades comunitárias e aumentar a vigilância de saúde nesses casos. Agentes comunitários de saúde (ACS), especialmente nesses casos, são valiosíssimos. O contato com familiares, seja na orientação para cuidado, seja para alertar quanto a quadros de abandono ou outras formas de violência, pode ser necessário.

- Saúde mental: idosos têm maior risco de desenvolver alterações neuropsiquiátricas. Além do quadro demencial, mais detalhado no caso de Dona Margarida, idosos têm maior risco de suicídio associado a quadros depressivos graves. O rastreamento de depressão está recomendado para idosos com declínio físico ou cognitivo. Há maior chance de agitação funcional e quadros confusionais agudos, pela fragilidade já abordada. Os quadros de delirium merecem investigação cuidadosa através de história completa, exame físico e laboratorial.

- Quedas e mobilidade: a perda de mobilidade e as quedas são elementos associados a grande morbimortalidade nos idosos. Devem ser sempre avaliados multiprofissionalmente, desde o risco para quedas no domicilio à intervenção da mínima diminuição de mobilidade. O uso de vitamina D (800 UI) diariamente associado a suplementação de cálcio está recomendado em idosos frágeis para a redução do risco de fratura.

No caso estudado encontramos o dentista inexperiente com idosos e visitas domiciliares e a médica Joana, recém-contratada, tendo que realizar um atendimento domiciliar em caráter de urgência, sem condições para atuar de maneira adequada. A alta rotatividade dos profissionais é comum atualmente nas equipes de saúde devido ao fato de os serviços de Atenção Primária se localizarem em regiões periféricas, havendo dificuldade de contratar profissionais para trabalhar. Os prontuários ainda não estão informatizados, o que dificulta muito a comunicação entre os próprios profissionais e a assistência prestada ao paciente.

A dinâmica da Estratégia Saúde da Família (ESF) é eficiente, pois propõe que a equipe se reúna para planejar as atividades que serão realizadas na Assistência Domiciliar, de acordo com os critérios de elegibilidade propostos pela Organização Mundial de Saúde. Mas o quadro encontrado nos domicílios coloca os profissionais em situações em que eles precisam ter criatividade para atuar da melhor forma. O conhecimento da formação de redes de apoio social e o trabalho interdisciplinar fazem-se necessários. Os profissionais dos NASF são muito importantes nesse sentido, pois, além de poderem ajudar na orientação e na realização de grupo de atividades físicas (educador físico), por exemplo, podem auxiliar no manejo de situação de perda de autonomia e mobilidade (fisioterapeuta), nos aspectos nutricionais, nas situações de abandono e violência (assistente social), bem como no manejo dos distúrbios neuropsiquiátricos (psicólogo e psiquiatra).

A enfermeira Ana Lígia atua de forma inicial com a realização da Avaliação Geriátrica Ampla da pessoa idosa para reconhecer e fazer o diagnóstico de saúde de Dona Margarida e sua cuidadora. Leva o caso para a equipe e discute as ações dos profissionais na assistência à paciente e à sua cuidadora. Aqui ganha destaque outro elemento fundamental no cuidado dos idosos: a atenção aos cuidadores. Estes podem estar sobrecarregados e adoecidos, sendo que pequenas dicas ou atenção podem auxiliar bastante. Orientações sobre a melhor forma de manusear o idoso no leito, como lidar com as questões emocionais, como portar-se mediante um quadro delirante, são alguns exemplos.

No caso de Dona Margarida, um miniexame mental e um teste de avaliação das atividades básicas de vida diária demonstraram resultados alterados e com comprometimento de atividades instrumentais de vida diária. Com a suspeita ou diagnóstico de um quadro demencial a partir de testes de investigação como o minimental, o médico deve abordar sindromicamente o caso na busca de diagnósticos diferencias. Se possível, uma avaliação com geriatra é bem-vinda, assim como de outros profissionais gerontólogos. Na impossibilidade, a Equipe de Saúde da Família deve se esforçar para um cuidado amplo, compreensivo e vinculante, o que aumenta as chances de o serviço de saúde responder aos anseios da família e da população.

Especialização em Saúde da Família
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