Sandra e Sofia
Maria Wany Louzada
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Crescimento e desenvolvimento

A avaliação do crescimento é uma importante ferramenta que pode ser utilizada para uma melhor compreensão e um melhor entendimento da criança de forma integral.

É fundamental conhecer o tipo e a qualidade da alimentação do lactente. Sandra não conseguiu manter o aleitamento materno exclusivo após o segundo mês, situação comum em casos em que não há incentivo, associado à insegurança na competência da função materna (inclusive da filha mais velha, Amanda) e da função social (afastamento do parceiro).

Diante do fato, Sofia está com quatro meses de idade e em uso de mamadeira – leite artificial. As informações sobre o tipo de leite, a diluição, a frequência das mamadas e a quantidade oferecida são sempre importantes, pois contribuem tanto para avaliar possíveis relações com ganho ponderal inadequado quanto para o entendimento da dinâmica familiar e de possíveis influências na qualidade/quantidade dos alimentos oferecidos à criança, além de facilitar as orientações alimentares mais adequadas e o esclarecimento objetivo de dúvidas por parte dos familiares.

Esse aspecto da alimentação destaca que, para qualquer atendimento, as características da rotina da criança e da família precisam ser compartilhadas, por exemplo, quanto ao número de habitantes da casa e suas relações, cuidador(es) da criança, rotina diária: horário para acordar, banho, alimentação e sono.

Por outro lado, a avaliação do peso no P3 merece também algumas considerações. A primeira se refere ao uso da antropometria – medida de peso, estatura, perímetro cefálico –, comparada a uma determinada curva de referência ou curva-padrão. No caso de Sofia, peso no P3 representa que somente 3% das crianças normais, ou de referência, apresentam peso menor do que a criança avaliada (Sofia). Portanto, estando com peso longe da média, maior a possibilidade de que o peso de Sofia não seja normal e mereça alguma intervenção. O uso desse instrumento – antropometria – é bastante simples, mas muito utilizado na prática clínica para auxiliar no diagnóstico nutricional da criança. É preciso estar atento para o fato de que existem diferentes curvas de peso e estatura para crianças e adolescentes. Lançada em 2006, a curva da Organização Mundial de Saúde (OMS) é a recomendada pelo Ministério da Saúde desde 2007. Essa curva é considerada padrão, pois foi construída a partir de um estudo multicêntrico (seis países, inclusive o Brasil) e longitudinal de crianças nascidas a termo, gestação única e aleitamento materno predominante nos primeiros seis meses de vida. Apesar dessa orientação, a maioria das Unidades Básicas de Saúde no Brasil ainda não utiliza as curvas de crescimento da OMS. Muito frequentemente são utilizados gráficos de crescimento do Center Disease Child/National Center Health Statistics (CDC/NCHS), que apresentam algumas diferenças em relação à curva da OMS. É importante reconhecer qual curva está disponível no serviço de saúde e que existem diferenças entre as curvas, porém é fundamental o conhecimento de que a maioria dos gráficos se equivale principalmente no acompanhamento longitudinal de uma criança. As curvas de crescimento de acordo com idade e sexo estão disponíveis no site da OMS: www.who.int/childgrowth/standards/en. No referencial teórico encontram-se mais detalhes da construção e da utilização de curvas de crescimento.

Como mencionado, as informações do caso indicam que o peso de Sofia está no Percentil 3 e que a estatura está no P50. O peso comprometido, mas com estatura dentro da média para idade e sexo (P50), pode indicar que esse comprometimento não ocorreu há muito tempo e que talvez não seja tão intenso. Isso porque o peso é o elemento que mais precocemente se altera quando há algum comprometimento nutricional, e o comprometimento da estatura demonstra alterações nutricionais mais prolongadas. Por outro lado, o peso também é o primeiro elemento a ser retomado na recuperação nutricional.

A condição nutricional de Sofia pode ser avaliada por fatores como alimentação e condição emocional familiar, sobretudo materna. Mas não podemos rotular uma criança com um diagnóstico nutricional a partir de uma única medida de peso e estatura. É sempre muito importante conhecer também o peso ao nascer. O peso ao nascer pode ser um indicador das condições da gestação, prematuridade (< 37 semanas de gestação), assim como um parâmetro na avaliação do crescimento. As crianças nascidas com peso inferior a 2.500 gramas são definidas pela OMS como: baixo peso ao nascer, independente da idade gestacional, e apresentam maior morbimortalidade que as crianças nascidas com peso maior.

Outro conceito importante sobre o peso ao nascimento durante a avaliação do estado nutricional de um lactente de quatro meses como Sofia é aquele que define a criança nascida: Pequena para Idade Gestacional (PIG). Define-se essa condição quando o peso ao nascer é inferior ao Percentil 10 de acordo com a idade gestacional. Essa condição pode associar-se a uma restrição de crescimento intrauterino, que, por sua vez, pode ser decorrente de causas maternas e/ou fetais. A depender da causa da restrição, assim como de outros fatores pós-natais, a evolução ponderal da criança pode ser permanentemente comprometida. Na prática, se Sofia tivesse nascido com baixo peso e/ou PIG, estar com peso abaixo do Percentil 3 aos quatro meses de idade, poderia indicar uma evolução compatível com esse peso ao nascer, já baixo. Isto é, ao avaliar o estado nutricional, poderia não haver necessidade de outro tipo de abordagem ou investigação. Contudo, deve-se ter cuidado para não generalizar essa condição, pois a maioria das crianças baixo peso/PIG apresentará evolução ponderal satisfatória.

A partir das informações do peso ao nascimento e o peso da consulta atual, pode-se calcular o ganho ponderal diário (peso atual – peso ao nascer/intervalo em dias). Considera-se adequado um ganho ponderal de 25 a 30 g/dia no primeiro trimestre de vida. Com isso, mais do que saber qual o peso atual e em que percentil se encontra, o ganho ponderal diário nos permite uma visão longitudinal do acompanhamento do crescimento da criança.

Acompanhar o crescimento, agregando as informações sobre o peso ao nascer, além das medidas de peso e estatura em consultas agendadas ou não agendadas, nos permite construir a curva longitudinal de acompanhamento individual de cada criança. Mais do que observar o percentil em uma consulta, possíveis oscilações (para cima ou para baixo) na curva individual, nos auxilia a compor elementos conhecendo melhor como é o ritmo, o canal de crescimento da criança. Além disso, da observação do canal de crescimento, o atendimento longitudinal permite uma abordagem global e integral da criança, inserida no contexto histórico e social.

Um instrumento que contribui para o registro dessas informações de peso e estatura dos lactentes é o Cartão da Criança do Ministério da Saúde, disponibilizado nas Unidades Básicas de Saúde, que contém curvas de peso para anotação em cada consulta/visita. Além disso, o cartão dispõe de orientações para as famílias sobre alimentação, crescimento, desenvolvimento da criança e lugares para anotação das condições de nascimento e vacinação.

Embora Sofia mantivesse peso próximo ao Percentil 3 durante algumas consultas, a informação do ganho de 500 g desde a última consulta demonstra que esse dado pode tranquilizar o profissional de saúde e ajudá-lo a orientar a família da criança, e, ao mesmo, tempo, o ganho ponderal nesse período reflete indiretamente uma melhora na dinâmica familiar, especialmente de Sandra quanto às suas funções potenciais e limitações.

É comum a observação de distúrbios alimentares na infância ou mesmo inadequação nutricional como reflexo de situações de desestruturação e desorganização familiar. A situação vivida por Sandra e suas filhas (Amanda e Sofia) demonstra que os retornos das consultas médicas, assim como a existência de uma rede interdisicplinar, incluindo Agentes de Saúde e auxiliar de enfermagem em uma Unidade Básica de Saúde possibilitaram uma abordagem integral dos problemas/doenças enfrentados por elas. Isso ocorreu do ponto de vista assistencial, permitindo que a equipe de saúde pudesse fazer um diagnóstico mais preciso e aplicar condutas mais adequadas. Essa condição favoreceu também a adesão da família, especialmente Sandra, e a consequente otimização do tratamento e das orientações.

Um exemplo das orientações e da compreensão dos conflitos da família que podem ser compreendidos e trabalhados de forma mais ampla é o manejo do tempo e das tarefas e das funções a serem desempenhadas por Sandra. Quando o profissional de saúde se apresenta atento e com uma observação ampla da dinâmica familiar, valorizando os vários aspectos do sofrimento dos pacientes envolvidos (Sandra e família), torna-se mais fácil compreender e orientar possibilidades para melhor aproveitamento do tempo da mãe e maior incentivo à participação do pai. Iniciar tratamento da mãe, melhorando seu quadro emocional contribuiu consequentemente para a melhora da saúde das filhas. Observa-se que a melhoria no quadro dermatológico, de dores, de aceitação alimentar e no ganho ponderal das crianças decorre em grande parte da visão holística das situações apresentadas.

Especialização em Saúde da Família
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