Samuel

João Roberto de Sá

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Diabetes tipo 2

O Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) é a forma de apresentação mais comum, presente em cerca de 90% dos casos da doença. Aproximadamente metade dos pacientes não sabe que é diabético, já que nas fases iniciais os sintomas são brandos. A doença vem geralmente acompanhada de obesidade, dislipidemia e hipertensão arterial, configurando-se a síndrome metabólica.

Os critérios diagnósticos da DM estão no quadro a seguir:

Fonte: Diretrizes 2009 da Sociedade Brasileira de Diabetes http://www.diabetes.org.br/attachments/diretrizes09_final.pdf

Há ainda critérios distintos para diagnóstico de diabetes gestacional, encontrados em literatura específica. No Brasil ainda não foi oficializado o uso da hemoglobina glicada para diagnóstico da DM.

Não há evidência para o rastreamento populacional de DM, sendo que o Ministério da Saúde, por meio dos cadernos de atenção básica, recomenda o rastreamento somente para grupos específicos de população de risco. http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/cadernos_ab/abcad29.pdf

No acompanhamento de pessoas portadoras de DM, é importante que os profissionais da ESF tenham uma rotina de trabalho, na divisão de funções entre vigilância e educação em saúde, além das práticas terapêuticas. No caso em questão, o agente de saúde identificou que Samuel estava sem acompanhamento regular, conseguindo acesso à Unidade de Saúde, sendo então atendido e encaminhado para atividades tanto terapêuticas como de educação em saúde. Os seguintes fatores devem ser avaliados na rotina de atendimento de diabéticos:

- Risco Cardiovascular (incluindo história familiar de doenças cardiovasculares, perfil lipídico, tabagismo, circunferência abdominal e obesidade);

- Exames para avaliação de lesão de/em órgão alvo: exame físico para neuropatia diabética, creatinina sérica, microalbominúria, fundoscopia, eletrocardiograma;

- Monitoramento glicêmico (através de medidas capilares na unidade ou em casa para insulino dependentes, hemoglobina glicada seriada).

No caso de Samuel, observamos que Felipe esqueceu-se do controle da função renal e não solicitou a hemoglobina glicozilada. Poderá fazê-lo, é claro, com a continuidade do atendimento, assim como análise do risco cardiovascular e outras análises. Outro exame solicitado, como hemograma, não apresentava indicação estrita e sim relativa em relação ao quadro infeccioso no pé. Assim, observamos a importância do trabalho em equipe e a longitudinalidade do cuidado, sendo que em outros encontros com a equipe, a avaliação pode ser completada, sem que seja necessário fazer tudo em uma única consulta.

Para um bom acompanhamento e tratamento, devemos também checar a presença dos sintomas clássicos, como poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso. Além disso, é preciso investigar os possíveis erros da dieta, e também se o paciente mantém ou não atividade física regular.

Na história, sempre devemos procurar por sinais ou sintomas decorrentes de complicações crônicas do diabetes, já que estes podem estar presentes no diagnóstico clínico do DM2. Do ponto de vista prático, dividimos as complicações crônicas em microangiopáticas, macroangiopáticas e neuropáticas. Com relação à retinopatia e à nefropatia, devemos pesquisar sobre acuidade visual, edema facial, edema de membros inferiores e hipertensão arterial conhecida. Para pesquisar neuropatias periféricas, devemos checar sintomas de parestesia, hipoestesia ou hiperestesia "em luva ou bota", já que geralmente o acometimento é simétrico. Essas informações são úteis para identificarmos pacientes com alto de rico de apresentar lesões nos pés, que, se não forem adequadamente tratadas, podem evoluir para amputação.

Com relação às neuropatias autonômicas, sempre devemos perguntar por disfunção erétil, hipotensão postural, náusea, vômitos, diarreia noturna e ainda por taquicardia mantida ao exame físico. Devemos valorizar também a presença de doença arterial, coronariana, cerebral e periférica, já que as complicações macroangiopáticas são as principais causas de morte.

Nosso paciente apresenta disfunção erétil, que pode ser ou não decorrente do diabetes. Geralmente, quando um paciente apresenta neuropatia autonômica diabética, ocorre também a neuropatia periférica, o que não ocorreu neste caso – portanto devemos ficar atentos para descartar outras causas de disfunção erétil, que não o diabetes.

Outro aspecto importante e nem sempre valorizado é a doença periodontal, que é mais frequente nos diabéticos e tem associação com o nível de descompensação glicêmica e maior tempo de doença.

A dieta deve ser simples, com 50 a 60% do total calórico composto de carboidratos, proteínas ao redor de 15 a 20% e o restante em gorduras monoinsaturadas, insaturadas, poli-insaturadas e, obviamente, com o mínimo possível de gorduras saturadas. A presença de verduras e legumes é também importante não apenas por ser fonte de fibras, mas também de vitaminas e sais minerais. Devemos orientar os pacientes a não ingerir sacarose, e não há a necessidade de orientá-los a apenas comer alimentos integrais, já que o alto custo destes muitas vezes inviabiliza a compra.

Quanto ao exercício físico, o mínimo é de 150 minutos por semana, sendo 70% em aeróbicos e o restante em musculação. Como os portadores de DM2 podem ter doença cardiovascular presente, deve-se ter muito cuidado ao prescrever exercícios sem ter pesquisado a existência da doença arterial. O mesmo deverá ser empregado em relação à saúde dos pés, com no mínimo pesquisa de sensibilidade com monofilamentos como uma triagem.

O uso de antidiabéticos orais é o tratamento medicamentoso mais comum para DM II e deve ser de domínio dos médicos. É importante, porém, que os demais profissionais saibam o perfil de efeito colateral destes medicamentos para estarem alertas a queixas dos pacientes, em especial as que dizem respeito a hipoglicemia associada às sulfanilureias e as gastrointestinais relacionados à metformina.

No portador de DM2, cujo defeito principal é a resistência insulínica, o antidiabético oral de entrada é a metformina. O medicamento é neutro em relação ao peso e não provoca hipoglicemia quando em monoterapia. Como a metformina gera a produção de ácido lático, sua principal contraindicação relaciona-se à presença de déficit de função renal, portanto devemos evitar seu uso em pacientes que apresentem função renal estimada abaixo de 60 mL/minuto. Também deve ser evitada em portadores de insuficiência hepática e cardíacas. Deve-se iniciar a dose com 500 mg diariamente com incremento da dose até 2 a 3g por dia. Atenção especial aos efeitos colaterais gastrointestinais (diarreia, dispepsia, flatulência). Se não houver controle glicêmico com a metformina e tratamento não medicamentosos, deve-se associar uma sulfonilureia.

As sulfonilureias devem ser consideradas como início de tratamento em pacientes magros, com sintomas acentuados de hiperglicemia ou naqueles em que a metformina está contra indicada. É importante evitarmos o uso de glibenclamida em idosos ou pessoas com insuficiência renal e hepática, pelo potencial risco de hipoglicemia. A glicazida tem tempo de ação mais curto e causa menos hipoglicemia, sendo uma droga de escolha nestes casos. Doses baixas devem ser iniciadas, com aumento progressivo conforme resposta terapêutica.

Há hoje em dia vários outros hipoglicemiantes orais, porém a custos impeditivos para uso na saúde pública. Contudo, não deixam de ser uma alternativa na falha terapêutica dos medicamentos acima descritos. Há a acarbose, rosiglitazona, inibidores da DPP-4, exenatide ou mesmo outros segretagogos mais modernos como repaglinida. No entanto, a maioria dos casos responde bem ao uso dos antidiabéticos orais mais tradicionais e a adesão à dieta e ao exercício físico. Na falência destes tratamentos, a insulinoterapia deve ser considerada. Assim, na persistência de hemoglobina glicada >=7,5%, a insulina deve ser prescrita inicialmente em conjunto com Metformina e sulfonilureia em doses noturnas, ao deitar. Na falência deste esquema terapêutico, insulinização plena deve ser começada, com especial atenção para educação do paciente quanto ao uso da insulina.


Um bom caminho para melhorarmos o controle glicêmico de nosso paciente será, portanto, instituir uma dieta correta, acertar a dose de metformina e tratar as infeções dentárias e o problema do pé. Tão logo tenha condições, deverá iniciar um programa factível de exercícios.

O tratamento dos problemas emocionais é muito importante no caso de nosso paciente, como já mostrado na conduta adotada pelo médico Felipe. Quanto à disfunção erétil, provavelmente não é relacionada ao diabetes, mas isso deverá ser um diagnóstico de exclusão. Deveremos também colocar alvos para o seguimento deste paciente, que deverão ser perseguidos a cada consulta: IMC < a 27 kg/m2 e idealmente abaixo de 25 kg/m2. A pressão arterial deverá ser inferior a 130 x 80 mmHg. Anualmente deverá fazer fundoscopia ocular e também exames de triagem para identificar a existência ou não de microalbuminuria.

Enfim, para um bom tratamento, devemos valorizar os aspectos da dieta, exercício, conhecimento da doença pelo paciente e, finalmente, a indicação e o uso correto do medicamento para o controle da glicemia.

Especialização em Saúde da Família
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