PROTOCOLOS PARA O CUIDADO DA SAÚDE DAS MULHERES



Dor Pélvica

  Fluxograma

 

 

Quadro 1 – Dor pélvica aguda: como identificar e como manejar as principais causas ginecológicas e não ginecológicas

  CAUSA COMO IDENTIFICAR/AVALIAR O QUE FAZER QUEM FAZ
Causas ginecológicas Doença inflamatória pélvica

Critérios diagnósticos (três critérios maiores + um critério menor OU um critério elaborado):


Critérios maiores:

  • dor no hipogástrio;
  • dor à palpação dos anexos;
  • dor à mobilização de colo uterino.
Critérios menores:
  • temperatura axilar > 37,5Oc ou temperatura > 38,3OC;
  • conteúdo vaginal ou secreção endocervical anormal;
  • massa pélvica;
  • mais de cinco leucócitos por campo de imersão em material de endocérvice;
  • leucocitose em sangue periférico;
  • proteína C reativa ou velocidade de hemossedimentação (VHS) elevada;
  • comprovação laboratorial de infecção cervical pelo gonococo, clamídia ou micoplasmas.

    Critérios elaborados:

  • evidência histopatológica de endometrite
  • presença de abscesso tubo-ovariano ou de fundo de saco de Douglas em estudo de imagem
  • laparoscopia com evidência de DIP
Outros sintomas: sangramento vaginal anormal de pouca quantidade (spotting), dispareunia, descarga vaginal.11
O tratamento antimicrobiano deve ser iniciado imediatamente para evitar sequelas ao aparelho reprodutor.

- Casos leves:
  • ESQUEMA 1: Ceftriaxona 250 mg, IM, dose única + Doxiciclina 100 mg, VO de 12/12 horas, por 14 dias + Metronidazol 500 mg, VO, de 12/12 horas, por 14 dias
  • ESQUEMA 2: Cefotaxima 500mg, IM, dose única + Doxiciclina 100 mg, VO de 12/12 horas, por 14 dias + Metronidazol 500 mg VO de 12/12 horas, por 14 dias

- Repouso relativo, abstinência sexual, sintomáticos.
- Quadro abdominal grave (irritação peritoneal); febre > 37,5º C; gravidez, abscesso tubo-ovariano, ausência de resposta ao tratamento ambulatorial – encaminhar para referência hospitalar.
- Enfatizar a adesão ao tratamento, notificar, convocar e tratar parceiros* e agendar retorno.
- DIU não precisa ser removido (caso exista indicação, a remoção deve ser realizada somente após as duas primeiras doses do esquema terapêutico. Oferecer métodos contraceptivos alternativos).
- As duchas vaginais não estão recomendadas.


Exames complementares:
- oferecer anti-HIV, VDRL, hepatites B e C se disponível, vacinar contra hepatite B; - hemograma, proteína C reativa, VHS;
- bacterioscopia (vaginose bacteriana), cultura de material da endocérvice (clamídia e gonococo);
- teste de gravidez (diferenciar de gestação ectópica);
- ultrassom transvaginal para avaliar suspeita de abscesso tubo-ovariano.11

Médico (a)
Dismenorreia - Cólica menstrual (em alguns casos, intensa, com repercussão gastrintestinal).
- Caráter cíclico.
- Estilo de vida saudável, atividade física regular;
- Anti-inflamatórios não hormonais: podem ser iniciados 2 a 3 dias antes do período menstrual e mantidos durante a menstruação (evitar uso superior a 7 dias) – Ibuprofeno 600mg ou Diclofenaco 50 mg, de 8/8 horas;
- Antiespasmódicos e analgésicos, se necessário: Escopolamina 10 mg, de 6/6 horas; Dipirona ou Paracetamol 500 mg 6/6 horas.
Enfermeiro(a)/ Médico(a)
Torção/ruptura de cisto ovariano - Quadro de abdome agudo, com irritação peritoneal;
- Atentar para sinais de alerta.
- Encaminhar para serviço de urgência/emergência;
- Provável quadro cirúrgico;
- Exames complementares no serviço de urgência: hemograma, ultrassom transvaginal.
Médico (a)
Endometrite pósparto/aborto - Sangramento e/ou corrimento com odor fétido;
- Comprometimento do estado geral – atentar para sinais de alerta.
- Encaminhar para hospital de referência – provável internação para antibioticoterapia venosa;
- Exames complementares no serviço de urgência: hemograma, Ultrassom transvaginal para avaliar presença de restos ovulares ou placentários
Médico (a)
Causas não ginecológicas Apendicite - Quadro de abdome agudo, com irritação peritoneal
- Dor iniciada em região epigástrica/periumbilical e evolui para dor localizada em fossa ilíaca direita - Alteração de ritmo intestinal; náuseas/vômitos
- Comprometimento do estado geral, febre
- Encaminhar para serviço de referência em cirurgia geral. Médico (a)
Infecção/litíase urinária - Disúria, polaciúria, poliúria;
- Hematúria;
- Dor lombar associada;
- Comprometimento do estado geral.
- Hidratação, sintomáticos;
- Antibioticoterapia.

Exames complementares:
- Hemograma, EAS, urocultura, considerar realização de tomografia na presença de hematúria
Enfermeiro (a) / Médico (a)
- Ver fluxograma 14, Queixas Urinárias
Constipação intestinal e outras doenças intestinais - Ritmo intestinal não diário, fezes ressecadas;
- Presença de muco ou sangue nas fezes;
- Diarreia, náuseas, vômitos;
- Febre, desidratação.
- Constipação – dieta rica em fibras, aumentar ingestão de líquidos, atividade física regular;
- Diarreia aguda: hidratação e sintomáticos;
- Encaminhar se houver suspeita de doenças inflamatórias intestinais;
- Considerar avaliação clínica para exames pertinentes.
Enfermeiro (a)/Médico (a)
Vasculopatia abdominal - Quadros agudos, com dor intensa e grande comprometimento do estado geral (ex.: aneurisma de aorta abdominal, trombose/isquemia mesentérica). - Encaminhar para serviço de urgência/emergência. Médico (a)
  • Nota: * As parcerias sexuais dos últimos dois meses, sintomáticas ou não, devem ser tratadas empiricamente contra Neisseria gonohrroeae e Chlamydia trachomatis.


Quadro 2 – Dor pélvica crônica - como identificar e como manejar as principais causas

  CAUSA COMO IDENTIFICAR/AVALIAR O QUE FAZER QUEM FAZ
Causas ginecológicas Endometriose - Piora cíclica da dor, principalmente no período perimenstrual.
- História de infertilidade.
- História familiar de endometriose.
- Dor irradiada para região lombossacra ou ânus.
- Alterações intestinais cíclicas (diarreia e/ou constipação, mudança na consistência das fezes no período perimenstrual).
- Sangramento cíclico nas fezes e na urina.
- Anti-inflamatórios não hormonais (crises de dor): Piroxicam, 20-40 mg por dia; Nimesulida, 100 mg de 12/12 horas; Ibuprofeno, 600mg; ou Diclofenaco, 50 mg de 8/8 horas – iniciar 2 a 3 dias antes da menstruação. - Supressão da menstruação: anticoncepcional combinado oral (Etiniestradiol, 30 mcg + Levonorgestrel, 150 mcg) – uso contínuo, sem pausa entre as cartelas; anticoncepcional injetável com progestágeno mensal ou trimestral; ou Noretisterona (progestágeno) oral – 10mg/dia contínuo. - Ver Quadro 3 – Considerações gerais sobre o tratamento de dor pélvica crônica. - Ultrassom transvaginal com ou sem preparo intestinal; ultrassom de parede abdominal se houver suspeita de endometrioma. Médico (a)
Aderências pélvicas - Dor à palpação e distensão dos anexos, agravada com atividade física e obstipação.
- Ao toque vaginal, há redução de mobilidade uterina.
- Antecedente de infecção ou cirurgia pélvica (principalmente cesariana e laqueadura).
- Ver Quadro 3 – Considerações gerais sobre o tratamento de dor pélvica crônica.
- Não há exames de imagem que fechem diagnóstico.
Médico (a)
Causas não ginecológicas Constipação intestinal - Ver Quadro 1 – Dor pélvica aguda - Médico (a)
Síndrome do intestino irritável - Desconforto abdominal ou dor pélvica por pelo menos 12 semanas (não necessariamente consecutivas) nos últimos 12 meses, que apresenta pelo menos dois dos três aspectos: alívio com defecação; aparecimento associado com mudanças na frequência de evacuação; aparecimento associado com mudanças na forma e consistência das fezes. - Alimentação saudável, rica em fibras e líquidos.
- Abordagem ampla – identificação de fatores desencadeantes.
- Controle dos sintomas: dor, diarreia, constipação.
- Ver Quadro 3 – Considerações gerais sobre o tratamento de dor pélvica crônica.
Médico (a)
Síndrome da Bexiga dolorosa - Dor, pressão ou desconforto pélvico associados com urgência e aumento da frequência diurna e noturna, na ausência de infecção urinária comprovada ou alguma outra doença vesical óbvia. - Analgésicos: Dipirona ou Paracetamol, 500 mg até de 6 em 6 horas
- Ver quadro 3: considerações gerais sobre dor pélvica crônica
- Considerar encaminhamento para serviço de referência
- De acordo com o quadro clinico global, excluir outras causas de dor pélvica
Médico (a)
Lombalgia/síndro me miofascial - Dor muscular, com caráter motor.
- Identificação de pontos-gatilho.
- Anti-inflamatórios não hormonais por até 5 a 7 dias (Piroxicam, 20-40 mg por dia; Nimesulida, 100 mg de 12/12 horas; Ibuprofeno, 600mg; ou Diclofenaco 50 mg de 8/8 horas), analgésicos (Dipirona ou Paracetamol, 500mg de 6/6 horas), acupuntura, fisioterapia.
- Injeção anestésica (solução Bupivacaína – 0,5%, 5,0 ml + Dexametasona – 4mg; completar para 10 ml com água destilada. Aplicar na área de gatilho).
Médico (a)
Violência - Ver capítulo 7 - Equipe multiprofissional

Quadro 3 – Considerações gerais sobre o tratamento de dor pélvica crônica

Atenção para possíveis fatores causais, desencadeantes ou de agravamento:
  • situações de violência doméstica, intrafamiliar, sexual (que podem ser crônicas e estar camufladas – ver capítulo 7);
  • vida sexual insatisfatória, anorgasmia (inclusive relações sexuais consentidas por convenções sociais, tabus, crenças);
  • relações conflituosas com familiares e/ou com parceiro;
  • situações de vulnerabilidade social e emocional (por exemplo, dependência econômica e/ou afetiva).
Estimular atividade física e de lazer.
  • Dieta com fibras.
  • Psicoterapia: indicada em função de questões familiares, existenciais, ansiedade e depressão presentes em grande número de mulheres com DPC. (A melhor psicoterapia é aquela da qual a paciente está disposta a participar.)
  • Práticas integrativas e complementares: tratamento não farmacológico com fitoterapia, homeopatia, acupuntura e eletroestimulação transcutânea pode ser útil para algumas mulheres.

Laparoscopia (segunda linha, quando as outras intervenções terapêuticas falharam):

  • indicada em cerca de 18% de pacientes com dor pélvica crônica.
  • casuísticas de laparoscopia em mulheres com dor pélvica crônica: 1/3 pelve normal, 1/3 endometriose e 1/3 aderências pélvicas.
  • em 1/3 dos casos, diagnostica a endometriose que não é tratada só com cirurgia (exceto com a retirada de ambos os ovários, que são importantes na função endócrina – idade reprodutiva), visto que muitas lesões são microscópicas e nem são visibilizadas à laparoscopia.
  • a lise de aderências pélvicas (outro 1/3 dos casos) não modifica o prognóstico em relação à DPC.
Antidepressivos:
  • Tricíclicos: Amitriptilina – 25-50 mg/noite, quando se identifica um componente emocional e/ou conflituoso com parceiro ou familiares ou quando não tem causa aparente (evitar em pacientes com sobrepeso e/ou com obstipação crônica relevante).
  • Inibidores da recaptação de serotonina: Fluoxetina – 20 mg/dia, para mulheres com tendência depressiva,ansiosas, com conflitos familiares. Indicados em pacientes com sobrepeso e obstipadas crônicas.
Em casos refratários a outras condutas, utiliza-se:
  • Anticonvulsivantes: (Gabapentina – 300 mg, 2-3x dia; Carbamazepina – 200 mg, 2x dia, Pregabalina – 75-150 mg/dia). Utilizados quando se suspeita de dor neuropática ou dor sem causa aparente.
  • Opioide (Codeína –15-30 mg/dose a cada 4-6h; Tramadol – 50 mg a cada 4-6h ou 100 mg a cada 8-12h). Uso eventual e com cautela em mulheres com dor reagudizada.

Referências

  1. KRUSZKA, P. S.; KRUSZKA, S. J. Evaluation of acute pelvic pain in women. American Family Physician, v. 82, n. 2, p. 141-147, 2010.

  2. ORTIZ, D. D. Chronic pelvic pain in women. American Family Physician, v. 77, n. 11, p. 1.535-1.542, 2008.

  3. BRASIL. Ministério da Saúde. HIV/Aids, hepatites e outras DST. Brasília, 2006. (Cadernos de Atenção Básica, n. 18).

  4. HOWARD, F. M. The role of laparoscopy in the chronic pelvic pain patient. Clin Obstet Gynecol, v. 46, n. 4, p. 749-766, 2003.

  5. ACOG COMMITTEE ON PRACTICE BULLETINS-GYNECOLOGY. ACOG Practice Bulletin nº 51. Chronic Pelvic Pain. Obstet Gynecol, v. 103, n. 3, p. 589-605, 2004.

  6. NOGUEIRA, A. A.; REIS, F. J. C.; POLI NETO, O. B. Abordagem da dor pélvica crônica em mulheres. Rev Bras Ginecol Obstet, v. 28, n. 12, p. 733-740, 2006.

  7. ABERCROMBIE, P. D.; LEARMAN, L. A. Providing holistic care for women with chronic pelvic pain. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs, n. 41, p. 668-679, 2012.

  8. JARRELL, J. F. et al. Consensus guidelines for the management of chronic pelvic pain. J Obstet Gynaecol Can, v. 27, n. 9, p. 869-910, 2005.

  9. ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. RCOG Green-top Guideline nº 41. The initial management of chronic pelvic pain. London: RCOG, 2012. p. 2-16.

  10. YUNKER, A. et al. Systematic review of therapies for noncyclic chronic pelvic pain in women. Obstet Gynecol Surv, v. 67, n. 7, p. 417-425, 2012.

  11. BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT): Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Brasília, 2015. Versão sob consulta pública.