Unidade 2: Incorporação de medicamentos no SUS e as listas de referências

Seja bem-vindo à segunda unidade do módulo que tem por objetivo:

  • Conhecer os componentes da Assistência Farmacêutica e a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME);

  • Conhecer o conceito de medicamento essencial;

  • Compreender a importância da Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME).

Introducao    Introdução

Anteriormente, foi apresentado o conceito de incorporação de medicamentos no SUS e descreveu-se o processo de avaliação de tecnologias, que preconiza a comparação entre o “novo” e o “já disponível” para decidir se essa nova tecnologia passará ou não a ser disponibilizada no sistema de saúde.

Tendo sido decidido pela incorporação, quem será o responsável pelo financiamento, planejamento e processo de compra (programação e aquisição) e dispensação desse medicamento? É justamente sobre isso que vamos falar neste tópico. Mais adiante, também falaremos sobre os medicamentos não disponíveis, que estão nessa condição por não terem sido avaliados ou porque foram avaliados com a decisão final de não incorporação.

Introducao    Discussão teórico-legal

Componentes da Assistência Farmacêutica

A partir do momento que se define que um medicamento será incorporado ao SUS, uma das principais questões que deve ser discutida é: Em qual componente poderá ser feita a incorporação?

Mas o que é esse componente?

Componente Básico

O Componente Básico é aquele no qual são alocados os medicamentos do Elenco de Referência Nacional de Medicamentos e Insumos Complementares para a Assistência Farmacêutica na Atenção Básica.

  • São medicamentos essenciais (serão definidos na unidade a seguir), incluindo medicamentos alopáticos, fitoterápicos e homeopáticos.
  • O financiamento desses medicamentos é tripartite, ou seja, compartilhado entre as três esferas de governo. Cada uma delas contribui com um valor monetário/habitante/ano mínimo (valores mínimos definidos e atualizados por legislação específica, repassados fundo a fundo) (BRASIL, 2013).
  • A definição de quais medicamentos serão incorporados (seleção) e de sua respectiva programação, envolvendo aquisição, distribuição e dispensação aos usuários, é de responsabilidade do município.

Componente Estratégico

O Componente Estratégico está relacionado ao tratamento de doenças ou condições que são consideradas problemas de Saúde Pública e, por isso, estão contempladas em programas estratégicos do Ministério da Saúde (MS), como é o caso de algumas doenças infectocontagiosas e de situações como o tratamento de coagulopatias, controle do tabagismo e planejamento familiar. Os medicamentos são financiados e comprados pelo MS, que realiza a distribuição para os estados. Cada estado fica responsável por distribuir os medicamentos para seus municípios. O tratamento dessas doenças é feito com base em protocolos clínicos cujo processo de elaboração é de responsabilidade do MS. A dispensação desses medicamentos aos usuários é de responsabilidade dos municípios.

Componente Especializado

O Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, instituído em março de 2010, é resultado de um processo que foi iniciado ainda antes do SUS, em 1982, como uma forma de promover o acesso a “medicamentos excepcionais”.

  • Uma vez que a maioria dos medicamentos solicitados por essa via era de grande valor monetário, esse componente foi por muito tempo conhecido como “alto custo”.
  • Atualmente, é reconhecido como uma estratégia que compõe a integralidade do cuidado ambulatorial e da manutenção do equilíbrio financeiro entre as esferas de gestão.
  • As linhas de cuidado estão definidas em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) publicados pelo MS.
Para consultar os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) disponíveis:

Inclui o tratamento farmacológico para doenças de menor prevalência ou linhas de tratamento para doenças de alta prevalência cujo tratamento na atenção primária com os medicamentos do Componente Básico não tenha obtido sucesso. Os medicamentos desse componente são classificados em três grupos, de acordo com a complexidade da doença a ser tratada:

 

É financiado pelo MS e subdividido em: 1a) medicamentos comprados pelo MS; 1b) medicamentos comprados pelas Secretarias Estaduais de Saúde (SES), sendo o ressarcimento aos estados feito por meio de apresentação de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC).
É composto por medicamentos comprados e financiados pelas SES.
É composto por medicamentos comprados, financiados e dispensados pelos municípios.

 

Com exceção dos medicamentos do grupo 3, todos são dispensados em farmácias gerenciadas pelas Secretarias Estaduais de Saúde (SES), e a organização dessa rede de farmácias apresenta particularidades nos diferentes estados brasileiros.

  • Para que ocorra a dispensação, o paciente precisa apresentar a prescrição e um formulário LME (Laudo para Solicitação, Avaliação e Autorização de Medicamentos).
  • Além disso, podem ser solicitados resultados de exames e outros documentos, conforme o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), para que seja iniciada a avaliação do processo.
Ao iniciar suas atividades na atenção primária à saúde, da mesma forma que em hospitais, é importante conhecer a legislação do município (normas) sobre prescrição e dispensação de medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica.
  • ✔ Uma vez que no SUS é praticada a descentralização da gestão, são os gestores municipais quem determinam se serão atendidas todas as prescrições, independentemente da origem, ou se somente aquelas elaboradas por prescritores do SUS, por exemplo.
  • ✔ Também é importante conhecer, entre outras informações, quais os documentos a serem apresentados pelo paciente para que possa receber os medicamentos.

Para medicamentos de outros componentes, as regras também podem ser diferentes.
  • ✔ Por exemplo: Se o paciente precisar de medicamentos do Componente Especializado, deve receber do prescritor o formulário LME devidamente preenchido, além de informações sobre documentação e local para onde levar esses documentos.

Todos os medicamentos inclusos nos Componentes da Assistência Farmacêutica estão descritos na Relação Nacional de Medicamentos (RENAME).


A RENAME

O Brasil teve uma lista de medicamentos prioritários mesmo antes de a Organização Mundial de Saúde (OMS) propor sua primeira lista de medicamentos essenciais, em 1977.

Essa lista brasileira inicialmente teve um papel norteador da produção de medicamentos similares pela indústria nacional, para compra pela Central de Medicamentos (CEME). A CEME foi uma instituição de compra e distribuição de medicamentos que vigorou entre 1971 e 1997.

O papel orientador das políticas públicas e de prática clínica da RENAME passou a ser exercido de forma mais impactante a partir da publicação da Política Nacional de Medicamentos (PNM), em 1998, inclusive com a reafirmação de sua importância e reconhecimento da necessidade de atualização periódica.

Essa base jurídico-institucional criada a partir da PNM propiciou um novo cenário para o emprego do medicamento no sistema público, revalorizando as relações de medicamentos essenciais, que

[…] são aqueles que satisfazem às necessidades de saúde prioritárias da população e devem ser selecionados por critérios de eficácia, segurança, conveniência, qualidade e custo favorável. Eles devem estar acessíveis em todos os momentos, na dose apropriada, a todos os segmentos da sociedade (WHO, 2005).

Listas de medicamentos essenciais são importantes referências para os profissionais de saúde, principalmente em cenários em que há grande disponibilidade de produtos farmacêuticos.
Essas listas têm como objetivo promover a ampliação do acesso e o uso racional de medicamentos.
Além disso, possibilitam não só que os profissionais tenham maior familiaridade com os medicamentos selecionados, compreendendo seus benefícios e riscos, como também facilitam a realização de compras em larga escala, reduzindo custos.

A lista de medicamentos selecionados pela OMS é elaborada com base nesses princípios e serve de referência para que os países construam suas próprias listas nacionais (“RENAMEs”), considerando a sua realidade local (prevalência de doenças e recursos disponíveis).

A RENAME, por sua vez, orienta a construção das Relações Estaduais de Medicamentos Essenciais (RESMEs) nos estados e as Relações Municipais de Medicamentos Essenciais (REMUMEs) nos municípios.

A versão atual da RENAME tem cinco anexos:

Anexo I – Relação Nacional de Medicamentos do Componente Básico da Assistência Farmacêutica;
Anexo II – Relação Nacional de Medicamentos do Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica;
Anexo III – Relação Nacional de Medicamentos do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica;
Anexo IV – Relação Nacional de Insumos Farmacêuticos;
Anexo V – Relação Nacional de Medicamentos de Uso Hospitalar.

Até há poucos anos, a RENAME era atualizada por uma comissão, a Comissão Técnica e Multidisciplinar de Atualização da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (COMARE). Tratava-se de uma instância colegiada, de caráter consultivo, que elaborava as propostas de inclusão, exclusão ou substituição de medicamentos. Esse processo era muito similar ao praticado atualmente nos estados, municípios e hospitais com as Comissões de Farmácia e Terapêutica (CFT), comissões multidisciplinares que selecionam os medicamentos ou produtos para a saúde com base em critérios, como disponibilidade do produto no mercado nacional, efetividade, segurança, custo-efetividade, impacto orçamentário, entre outros.

A partir da regulamentação da CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), esse processo de atualização mudou e a RENAME passou a ser uma lista que inclui não apenas os medicamentos essenciais, mas todos os medicamentos disponíveis no SUS. Apesar de suas modificações serem compiladas anualmente nos últimos anos, sua atualização passou a ser contínua, dependendo da avaliação e incorporação de novos medicamentos pela CONITEC.

É desejável que as listas de medicamentos essenciais sejam complementadas com formulários terapêuticos que tenham informações sobre os medicamentos selecionados e seu emprego na prática clínica, como o Formulário Terapêutico Nacional (FTN). O FTN tem a função de orientar prescritores e dispensadores de medicamentos, além de outros profissionais e os próprios usuários.

No Brasil, o FTN foi atualizado em 2017, após longo tempo - o anterior era datado de 2010. Além da atualização recente do conteúdo, o novo FTN está disponível no formato de aplicativo, com o nome MedSUS, o que possibilitará que os processos de consulta e atualização das monografias seja mais dinâmico.

Para aprofundar-se no assunto não deixe de consultar:
 
 

Introducao    Considerações Finais

Com a descentralização da gestão no SUS, o município tem autonomia para decidir quais medicamentos comprar para oferecer à população. No entanto, só pode utilizar o recurso pactuado do Componente Básico para a compra de medicamentos listados na RENAME, condição que garante a seleção de medicamentos que já passaram por alguma avaliação baseada em critérios de efetividade e segurança. Por isso, é importante que todos os municípios tenham CFT para discutir os medicamentos mais necessários para a população local e definir uma REMUME.

 

Introducao    Referências

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